"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Um avô para recordar


Lembro-me muito bem de como a jornada diária começava. Acordar cedo não era novidade. Era costume. O dia sequer havia clareado, mas já se ouvia o som das panelas na cozinha e, minutos depois, o cheirinho do café fresco tomava conta da casa. Pronto. Era assim que o dia começava. Fogão à lenha aceso, a chaleira de café a postos, pão caseiro com calda de açúcar por cima, bolo de fubá cozido, leite... E gemada!

Pequenino que só ele, amparava-se próximo ao fogão, onde costumava apoiar o prato. Com as mãos espedaçava o pão de sal (era assim que chamávamos o pãozinho francês) e aos poucos o amolecia naquela mistura de café, chocolate e ovos. Nós ficávamos olhando, sem coragem de experimentar, acho que com medo dos ovos estrelados, mas vê-lo fartando-se dava gosto.

Encerrado o café, pedia sua “roupa de serviço”. Não me recordo de tê-lo visto usando camisa por fora da calça. Ainda que fosse para capinar a horta, acertar o galinheiro ou colher algumas frutas, a mim parecia estar sempre bem vestido. Não fazia diferença um remendo de outra cor mais ou menos na altura no joelho ou um xadrez na camisa listrada. Não, isso não o impedia de estar devidamente trajado e cabelo penteado. Ah sim, havia uma exceção, mas sobre ela, conto-lhes depois...

Gostava muito de conversar, contar seus casos, relembrar aquela vida que após quase noventa anos parecia ter ficado longe demais. Falava manso, às vezes sorria, emocionava-se, em seu olhar percebia-se claramente como aquele homem revivia o passado.

Com dificuldades para escutar e enxergar, as palavras tinham que ser ditas em alta voz, próximas ao ouvido para que o som fosse captado com maior facilidade, que ecoasse naquele recôncavo produzido por sua mão sempre encostada à orelha. Sobre o problema nas vistas, dois fatos marcantes: quando assistia à televisão, arrastava o “sofazinho” e o colocava bem perto do aparelho. Volume sempre alto e olhos literalmente grudados na tela... Interessante e perigoso era como fazia para ver as horas. Quantas vezes o peguei em situação de risco! Como se fosse criança, arrastava a cadeira, a colocava junto a pia da cozinha... Displicente subia na cadeira e subia na pia apenas para ver as horas no relógio de parede que por cima ficava pendurado.

Agora sim, sobre a exceção que fiquei de lhes contar, embora sempre arrumado, com camisa, calça social e cinto, dificilmente usava sapatos. Dos calçados que lembro? Duas sandálias, uma de borracha e outra do tipo “franciscana”. Qual ele preferia? Nenhuma delas! Adorava andar descalço. Se ia à cidade, usava a sandália de borracha (ia a pé); cansava-se dela, trazia-a nas mãos; esquecia-se dela e não raro chegava em casa sem ela nos pés e também nas mãos...

De amabilidade quase extinta, preocupava-se com todos, dava a atenção que podia e nem sempre recebia a atenção que merecia. É. O tempo passou. Hoje o que sinto são saudades e a frustração de naquele tempo não saber o quão importante foi dividir com ele o mesmo espaço e ter herdado dele o sobrenome.

Emocionei-me várias vezes enquanto redigia este texto, pois é impossível lembrar, narrar e não chorar. Consola-me o fato de que se nós, pobres mortais, talvez tenhamos que passar pelo purgatório antes de merecer o céu, ele teve passagem direta, pois foi ‘Santo’ até no nome... Meu inesquecível ‘Vovô Santinho’.

Esclarecimento: O artigo deste domingo é uma singela homenagem aos meus amados avós: Aparecida e Antônio Volpato, Zelinda e Hermínio Rigon, sendo este último a quem dediquei minhas memórias, agora aqui registradas. Quase ninguém o conhecia como Hermínio; todos o chamavam de ‘Seu Santinho’ e para mim, é assim que continuará para sempre.

(Valquiria Rigon Volpato - Advogada)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Foi assim...


Foi assim,
No tempo de um sorriso,
Que eu me apaixonei...

No tempo do teu riso,
No fulgor do teu olhar,
No seu jeito de comigo querer estar.

Foi no tempo do teu riso,
Aquele, meio sem juízo,
Que eu me apaixonei.


Valquiria Rigon Volpato
07 de dezembro de 2009.

Chuva


...ela estava sozinha,
Mas não era algo exterior,
A solidão que a corroia morava dentro dela,
Em seu coração.

A respiração pesada, angustiada, triste...
Naquela tarde, ela mal sabia o que fazer,
Pois a dor era tamanha que não mais podia agüentar.

Quieta, foi até o jardim de inverno,
Sentou-se e ouviu a chuva cair.
Envolta em um velho xale,
Mantinha os olhos fechados e os ouvidos atentos ao correr da água,
Ao balançar das folhas e aos sopros do vento.


Valquiria Rigon Volpato
27 de setembro de 2007
"Dê-me um ponto de apoio e moverei o mundo"
(Arquimedes)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Nem tudo o que reluz é ouro


Inegavelmente a internet tornou-se ferramenta indispensável. Seja para o trabalho ou para simples entretenimento, tudo parece estar atrelado a ela ou de alguma forma resultar nela. É certo que dentre as muitas descobertas do homem, o entrelaçar de computadores pelo mundo através da rede internet é a que mais angaria adeptos. O mundo virtual transporta a realidade para o alcance dos dedos e, assim, cria uma espécie de paradoxo de proximidade e distanciamento.
Os atrativos sites e mecanismos de relacionamento e bate-papo variam e são muitos: MSN, Orkut, Twitter, Facebook... Estes são apenas os mais comuns. É por meio deles que nada mais é segredo. Tudo está ao alcance de todos, ou melhor, à leitura, à escuta, ao click de todos. Uma espécie de invasão de privacidade consentida através da postagem de fotos, vídeos e comentários. Um universo que, a princípio, gera encantamento e proporciona o rompimento de barreiras tais como a timidez, parece fazer com que a realidade aproxime-se da perfeição, no entanto, cabe manter-se alerta, porque, tratando-se de internet, nem tudo o que reluz é ouro.
Conforme ditam as “regras” dos fãs dos já mencionados sites de relacionamento, é preciso viver a realidade virtual ou fazer dela a própria. Com a postagem de fotos, por exemplo, é possível compartilhar momentos, contudo, tal ato, ainda que ingênuo, pode causar grandes problemas. As imagens disponibilizadas na internet podem, facilmente, serem copiadas, reproduzidas e utilizadas para fins diversos e diversos da vontade de quem as disponibilizou. Não raro surgem casos de pessoas vítimas da veiculação indesejada de sua imagem em sites pornográficos. Dois ou três clicks e os rostos se transformam através dos photoshops, reproduzindo as mais inusitadas e indesejadas cenas. Práticas livres de ofensa a institutos consagrados pela Constituição Federal em seu artigo 5°; um mundo aparentemente sem regras, mas que aos poucos está punindo aqueles que se colocam na condição de agressores da imagem e da honra.
Os bens oferecidos pela internet são proporcionais aos males que pode causar. Inevitavelmente, quando o assunto é a captura indevida de imagem com utilização também indevida da mesma, ou ainda a propagação caluniosa de textos agressivos, ofensivos – prática esta comumente notada nos Blogs, através de postagens do proprietário ou por meio de comentários não moderados –, o instituto jurídico do Dano Moral vem à tona.
Deveras comum entre a sociedade, tendo em vista sua quase “industrialização” e explícita banalização, a reparação moral prevista pelo legislador visa proporcionar ao ofendido espécie de abrandamento relativo à ‘dor’ experimentada. Quem verdadeiramente sofre dano moral, jamais será plenamente recomposto, isto é, trazido ao que era antes do fato danoso acontecer, contudo, através da reparação pecuniária, busca-se “recompensar” a vítima e punir o agressor. Nos casos de danos morais causados na internet, embora haja diversificado material doutrinário e jurisprudencial disponível para estudos, não se pode fugir da análise específica, vez que seria superficial enquadrar casos aparentemente similares às mesmas regras. Existem minúcias a serem exploradas e mais, é preciso que se descubra a extensão do dano, a proporção atingida.
Por enquanto, para amenizar o sofrimento moral, a reparação é feita em dinheiro, que nem sempre é dosado da maneira correta. Mas qual seria a melhor forma para dosar o valor da indenização proporcionada pelo dano moral sofrido? Seria possível quantificar e dar preço a honra? A taxação de valores é imprecisa e nunca suficiente, afinal, valorar a subjetividade alheia é se colocar no lugar do outro, sentir suas dores, emoções e, ao final, dizer quanto valem.
Na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n°. 7.311/2010 de autoria do Deputado Eduardo da Fonte dispõe sobre os sítios de internet no Brasil prevendo regras tais como a proibição do anonimato e também a estipulação de multa por infração cometida, variando de cinco a cinquenta mil reais. O projeto ainda não passou por aprovação, mas sua propositura tem gerado discussões pela grande rede, principalmente face a vedação do anonimato.
Se aprovado, o projeto ascenderá ao status de Lei, entretanto, ainda assim haverá carência, insuficiência de normas capazes de gerir o novo mundo criado pela internet. Não se pode deixar à deriva um navio de grande porte, pois as consequências da falta de coordenação e da auto-suficiência são conhecidas e quase sempre trágicas. A realidade espelhada através dos computadores pode ser “virtual”, mas os prejuízos que sua má utilização pode causar são, extremamente, factíveis e reais.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Os pontos comuns nos fazem sorrir


O mundo está repleto de diferenças. A diferença é tão presente que faz parte da vida, é um pedacinho de todo mundo que se mistura e basta olhar para saber que, apesar de tantas combinações, é possível distinguir cada traço do diferente que compõe a tela.

Tem diferença que é muito boa e tem diferença que é muito ruim. A coisa boa da diferença é que, se todos fossem iguais, a vida não teria muita graça. É bom discordar um pouco de vez em quando, afinal, as discussões são necessárias ao crescimento. A coisa ruim da diferença é que, alguns se prendem tanto a ela, que passam somente a enxergá-la; esquecem a imagem conjunta que formam, como se o entardecer, num dia claro de primavera, pudesse ser ofuscado por uma pequena nuvem escura no horizonte.

Em nome da “diferença cega”, alguns pensam que não há limites: matam como se natural fosse o não fazê-lo. Mas não foi sobre a diferença que pensei escrever, quero mesmo falar sobre os pontos comuns. Esta semana, cheguei um pouco mais cedo ao trabalho, ainda não havia tomado café, então resolvi ir até a padaria, que não fica longe, apenas poucos metros após a esquina. Comprei o pão que tanto queria, e na volta, ouvi um ruído. Um som de motor, mas não os carros da avenida, não era isso. Então parei alguns minutos e comecei a procurar, até que, olhando para o céu, percebi se tratar de um avião (acho até que era um dos aviões da Esquadrilha da Fumaça, que em breve se apresentará em Cachoeiro e que há tanto tempo não vejo). Mas essa não foi a surpresa. Antes que eu continuasse caminhando em direção ao escritório, meus olhos se encontraram com os olhos de um senhor que, como eu, ficou por uns minutos observando o céu. O encontro de nossos olhares promoveu o entendimento, também, entre nossos sorrisos. Imediatamente, sem palavras, compreendemos que algo em comum nos unia. E foi naquele momento que decidi sobre o que iria escrever neste domingo: sobre a diferença de idade, de sexo, de vida, de crenças (talvez), mas principalmente, sobre o comum que nos tornou tão iguais naquele breve instante...

Na sexta-feira, assim que cheguei do trabalho, encontrei minha mãe assistindo o último capítulo da novela das seis. No finalzinho, prestei um pouco mais de atenção, porque ouvi assim: “Eu imagino Deus como a fonte de toda a energia que criou e mantém o equilíbrio do universo. Vejo Deus na flor e na abelha que lhe suga o néctar para produzir o mel; e no pássaro que devora a abelha; e no homem que devora o pássaro...e no verme que devora o homem. Eu vejo Deus em cada estrela no céu, nas minhas noites nas pousadas, e nos olhos tristes de cada boi, ruminando na envernada... Só não consigo ver Deus no homem que devora o homem, e por isso acho que ainda tenho muito o que aprender nesses caminhos da vida...” (Benedito Ruy Barbosa).

Entendi que, infelizmente, a diferença pode nos matar. Mas que acima de tudo estão os pontos comuns, que nos fazem sorrir...

(Valquiria Rigon Volpato - Advogada)

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

BBB: Basta de Bunda Brasil!


“Você viu ontem?” Pergunta ávida por informações a vizinha da frente. “Claro que vi, menina! Ontem pegou fogo! Você perdeu?” Decepcionada, ela responde cabisbaixa: “Perdi. Foi culpa do meu filho. Resolveu pedir para que eu lhe contasse uma história quando estava começando... Tentei brigar com ele, falei pra ir dormir, mas o menino começou a chorar, então fui. Mas hoje ele não vai me impedir, nem que ele chore a noite toda”. Ouriçada, a outra abre um sorriso e diz: “Não tem problema! Te conto tudo agora mesmo”. Então, a narrativa tem início: “Max, Newton, Emanuel, Leo e Flávio estão na cozinha tomando café da manhã. Newton, por meio de gestos, pergunta ao artista plástico se ele finalmente beijou Francine e, apenas com o sinal de positivo, o brother confirma. Os meninos gritam, mas Max pede que o beijo fique em sigilo; Priscila não está no jogo para brincar. Tentando acabar com uma suposta timidez de Emanuel, a sul-mato-grossense decide lhe presentear com um strip-tease. A morena joga o brother no colchão, tira o roupão e começa a rebolar e dançar sensualmente sobre ele. O rapaz fica imóvel, extasiado, observando o balanço da morena. Milena não se faz de rogada, aproveita a onda e também dança de forma sexy para o novo morador da casa. Os outros confinados aplaudem o show; Priscila e Milena sobem no colchão rosa e começam a dançar. As duas dançam juntas, sensualmente, até o chão. Max brinca com as sisters, como se as idolatrasse. “Loira, te adoro”, diz a sul-mato-grossense para a amazonense. Em seguida, Priscila puxa Milena pelo braço e diz: “vamos dançar para apimentar essa festa”; Em clima romântico, Newton e Josiane se abraçam na pista de dança. E, depois de alguns selinhos e carícias, pela primeira vez se beijam “para valer”. Os dois dançam juntinhos todas as músicas; (fragmentos retirados do site www.globo.com). Na última quinta-feira, recebi texto de Rubem Braga, cópia reprográfica do Jornal “O do Sul”, publicado em 28 de fevereiro de 1934. Trata-se do texto “Vamos Ver”, que fora direcionado ainda para os jornais “Diário de São Paulo” e “Estado de Minas”. Na ocasião, Rubem saudava o ano novo. Transcrevo o trecho final: “Salve, salve 1934! Isto é: vamos ver...”. O cotidiano contado por ele na história que, ao final, confessa ter inventado, toma pela mão o pensamento, mostra-lhe os detalhes da vida; em expressão reduzida: quase um afago. 75 anos mais tarde, o ano novo, isso há 09 anos, vem sendo saudado com uma aberração chamada Big Brother Brasil. Se a discussão fosse filosófica, eu admitiria; se valesse para enriquecer o conhecimento, eu assistiria; se tivesse qualquer vestígio de cunho cultural (aqui não cabe dizer que tudo é cultura), eu aplaudiria. Mas colocar pessoas sob um mesmo teto com intuito único de que, numa “festinha” ou outra, depois de embriagados, exibam seus corpos em cenas deploráveis como um strip-tease? Sinceramente, é inaceitável. Coisas desse tipo são impossíveis de mensurar, até porque estupidez e pornografia não se mensuram... Basta de bunda, Brasil! Precisamos de educação.

(Valquiria Rigon Volpato - Advogada)

Obs.: Crônica escrita em 22.01.2009

Melancolia...


No balanço das ondas,
No vai e vem do mar,
Foi assim que me perguntei: “Por onde andas?”...
...aquele a quem devo amar.

Era tarde, o sol partindo,
O vento revirando os cabelos.
Alguns vestígios de esperança sumindo,
O gélido ar eriçando os pêlos...

Onde procurar?
A quem buscar?
Apenas esperar?
Onde você está?

Sentimento sem nome,
Capaz de abrir feridas.
Cansei-me de brincar de esconde-esconde,
Desejo ter minha sentença proferida.

Versos infantis, de menina que sonha,
Versos tão febris, de mulher que deseja.
Versos inúteis...
...de quem só os tem para se agarrar.

Não é do amor que trato,
É da esperança.
Histórias, versos sem rima,
Pouquíssimas mudanças...

Torna-se pequeno o coração,
Se a alma perde as esperanças.
Torna-se pequeno o coração,
Daquele que possui, apenas, velhas lembranças...


Valquiria Rigon Volpato
02 de fevereiro de 2011.