"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Que se dane o individualismo


Ano após ano, sempre discutindo as mesmas questões, os mesmos impasses, as mesmas coisas... a mesmice! É assim que vive o Itabira: na mesmice.

Hipocrisias muito a parte, pois não as suporto, veja-se há quanto tempo padece a região do Itabira sem destino certo? O que muito se viu até hoje foram “interesses”, manobras para se atingir o bem individual. Já ouvi dizer inúmeras vezes que trabalhar em prol da coletividade é algo utópico e, neste ponto, peço licença ao leitor para, de um modo menos delicado, externar meu repúdio quanto a este pensamento. Desde que o mundo é mundo temos vivido em sociedade, inegavelmente somos coletivo e todas as normas expressas em lei, por exemplo, foram criadas para ordenar a convivência social. Nós ditamos as regras, nós convencionamos que teríamos representantes, nós... E como pode ser que pensar no coletivo tenha se transformado em utopia? Discordo e não aceito este pensamento.

A unidade de conservação ambiental – Itabira – hoje sob a nomenclatura de Monumento Natural há anos é pauta que se discute. Infelizmente, a área verde que circunda a rocha, que também já foi chamada de “área de desenvolvimento sustentável”, nunca possuiu efetivamente administrador que zelasse. Atualmente, com demarcação de zona de amortecimento “feita no facão”, sem estudos aprofundados de fauna e flora, isto é, sem o devido e conceituado Plano de Manejo, que é justamente o processo pelo qual todas as espécies de vida localizadas na região da unidade de conservação serão mais do que catalogadas, e sim observadas e respeitadas em seu habitat natural, o Itabira está, literalmente, entregue às traças.

O Conselho Municipal do Monumento Natural Itabira, que iniciou suas atividades no último ano, com intuito de cuidar dos interesses da região (ou seja, interesse coletivo) tem como uma de suas responsabilidades, apontar diretrizes, traçar o “referenciamento” que servirá de base para a concretização do plano de manejo. No entanto, as atividades do Conselho têm esbarrado em burocracia e também no descaso de algumas entidades que o compõem. Com morosidade na tramitação dos processos, mesmo havendo verba para investir nos trabalhos do plano de manejo, as ideias permanecem no papel.

O que se deve buscar ao tratar questões que envolvam o Itabira é fazer o melhor para que a riqueza ali presente seja mantida e que, havendo exploração de recursos, que esta seja feita de modo a não devastar o que a natureza levou anos para construir. Todos os cidadãos cachoeirenses devem zelar pelo patrimônio natural impresso na cadeia de montanhas que dá contorno à nossa cidade.

Dos conselheiros se deve cobrar maior responsabilidade e empenho na causa, no mínimo participando ativamente das reuniões e tomadas de decisão. O dinheiro que será investido na feitura do plano de manejo não é “trocadinho do pão”. São mais de 100 mil reais que deverão ser gastos e muito bem gastos, afinal de contas estamos guerreando pelo bem comum, pela preservação, pela conservação do meio ambiente. E cá para nós, que se danem os interesses individuais, se o que está em jogo é muito maior e mais valioso do que meia dúzia de vontades atendidas...

(Valquiria Rigon Volpato - Advogada)

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Cachoeiro, quem te ama torce para dar certo!


O tema “coleta seletiva do lixo e reciclagem” dificilmente entrará no rol dos assuntos “démodés”. Por certo, as questões relacionadas à preservação do meio ambiente, cada vez mais em voga, vêm atender os apelos de uma pequena parcela da sociedade que começa a enxergar os rombos causados pela alta interferência do homem na natureza, explorando irregularmente seus recursos e devolvendo a ela suas imundices.

Mundo afora são muitas as deficiências no saneamento, na manutenção de ambientes saudáveis, no descarte consciente do lixo e especialmente em seu reaproveitamento, isto é, reciclagem. Crimes ambientais são cometidos todos os dias, no entanto o mais grave entre todos é executado pela inexistente responsabilidade individual, que não deveria de modo algum ter de ser cobrada, mas sim deveria fluir, tal como os afluentes de rios e córregos que, ao contrário do que lhes é natural, estão sendo soterrados pela covardia humana, agonizando na luta pela sobrevivência.

O quadro de descaso já foi pior, admita-se, até porque houve um tempo em que os despautérios da devastação não eram vistos como “prejudiciais”; falsa e idiota ilusão de que esbulhada a natureza não se defenderia, não exigiria, a seu modo, novamente sua posse. Fato “novo” nesta demanda possessória (em que o homem está em plena desvantagem de direitos) é que, finalmente, há manifestações pela preservação (ainda que por medo do agente causador do dano, que receia ficar sem “casa”).

Na última semana o município de Cachoeiro de Itapemirim foi contemplado com dois prêmios SEBRAE – “Prefeito Empreendedor”. O município concorria nas categorias “Crédito e capitalização”, por conta do apoio ao programa “Nosso Crédito”, e “Formalização de Pequenos Negócios e Apoio ao Empreendedor Individual”, pelas políticas públicas de apoio ao empreendedor, como a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa. A grande notícia, além até da premiação, é que a Administração está investindo em novas propostas e se há iniciativa, há possibilidade de mudanças.

Cachoeiro ainda não possui programa eficiente de coleta, separação, reciclagem e descarte adequado do lixo que produz. Em 2008, assim que iniciei a publicação de artigos neste espaço, reiteradas vezes sugeri que se fizesse mais em prol da questão “lixo”. Recente edição do Jornal Nacional transmitiu o exemplo da cidade de Itu, em São Paulo, onde o município conta com a coleta mecanizada, sendo, ao todo, 2,2 mil contêineres espalhados pela cidade. O trabalho de recolhimento do lixo é diário. Lá existe cooperativa para onde o material passível de reciclagem é destinado e, assim, 400 toneladas de “lixo” se transformam em matéria-prima para outros produtos. É lixo gerando emprego e renda. São aproximadamente 160 mil habitantes naquela cidade, famílias conscientes que separam o material de descarte em suas residências e favorecem o ciclo de reaproveitamento, impulsionando a economia do município, que corresponde, valorizando o empenho de seus moradores lhes oferecendo serviço pleno, de qualidade. Inegavelmente é exemplo a ser seguido!

Jamais duvidei da possibilidade da implantação deste modelo de tratamento de lixo para Cachoeiro, ainda que uma ou outra justificativa esbarrasse no quesito “orçamento”. Ver acontecer em Itu o que há algum tempo sonho para Cachoeiro, apenas fez revitalizar o pensamento, e ter a certeza de que o caminho está certo. Bairrista como sou, insistirei, porque enquanto houver tentativa, haverá chance de acontecer...


(Valquiria Rigon Volpato - Advogada)

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Place de Grève


Em Paris, na França, a Place de Grève, localizada nas proximidades do Rio Sena, era onde operários reuniam-se, diariamente, paralisando seus serviços, para reivindicar melhores condições de trabalho. Foi do termo francês grève, que significa “terreno plano composto de cascalho ou areia à margem do mar ou do rio”, que surgiu a expressão, agora aportuguesada, greve.

No Brasil o Código Penal e também a Constituição de 1937 proibiam a greve e o chamado lockout (que é a greve no sentindo inverso, isto é, a paralisação das atividades por parte do empregador) uma vez que estes recursos eram considerados nocivos e antissociais. A própria CLT promulgada em 1943 estabelecia punição para o exercício da greve em seus artigos 723, 724 e 725. No entanto, em 1946, uma nova Constituição admitia a greve, revogava as normas impediditas e punitivas e ainda a reconhecia como direito do trabalhador.

Atualmente, a Constituição vigente no país desde 1988, abriga o direito de greve em seu artigo 9º, que está regulamentado pela Lei nº. 7.783/1989, a chamada Lei da Greve que, inclusive, proíbe a prática do lockout em território nacional. É nesta Lei que estão previstos todos os direcionamentos para que a greve não se torne abusiva, para que não exceda limites e assim não acabe por contrapor o fim a que se destina. Exemplo de greve abusiva configura-se pela total paralisação dos chamados serviços essenciais, que estão elencados no artigo 10 da Lei da Greve. São eles: I) tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II) assistência médica hospitalar; III) distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV) funerários; V) transporte coletivo; VI) captação e tratamento de esgoto e lixo; VII) telecomunicações; VIII) guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX) processamentos de dados ligados a serviços essenciais; X) controle de tráfego aéreo; e XI) compensação bancária.

No caso dos professores cachoeirenses, que iniciaram paralisação parcial dos serviços de educação, a notícia mais recente, é que o TJES acolheu pedido feito pelo município, para que a greve fosse declarada ilegal, ao menos em decisão liminar (que não põe fim ao processo judicial). A reivindicação desta classe de servidores pauta-se no recebimento dos reajustes de seus salários, que teria sido dado de maneira irregular, em índices diversos para a mesma categoria, o que fere o artigo 37, inciso X, da Constituição Federal.

A greve dos profissionais da educação já foi mais corriqueira, entretanto, não raro, no Brasil, se tem notícia deste tipo de movimento grevista, isto porque, mesmo com a menção feita no artigo 206 da Carta de 1988, afirmando que “haverá valorização dos profissionais da educação escolar [...] assegurado piso salarial profissional nacional [...] nos termos de lei federal”, muitos professores caminham lado a lado com a insatisfação salarial. O piso nacional fixado pela Lei 11.738/2008, por si, não serve para compensar estes profissionais que formam tantos outros profissionais.

O direito de greve, uma vez assegurado, deve ser exercido quando todas as negociações anteriores possíveis tenham sido esgotadas, isso porque, inevitavelmente, a paralisação causa prejuízos à sociedade civil.

É certo que o exercício de um direito sempre será saudável, pois acaba por afetar seus praticantes com cidadania e desejo de justiça. Hoje, Cachoeiro de Itapemirim experimenta o “sabor” da discussão dos professores em busca de melhores salários e, em que pese todas as manchetes, comentários maldosos e decisões judiciais já veiculadas, a greve dos professores cachoeirenses pode até ser considerada ilegal, como disse o Desembargador Relator do processo, doutor Carlos Simões Fonseca, mas, em momento algum, deixou de ser exercício de um direito constitucionalmente garantido. Guardadas as devidas proporções geográficas e culturais, caberia dizer: Paris é aqui...

(Valquiria Rigon Volpato - Advogada)