"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Discurso de posse - Academia Cachoeirense de Letras


Excelentíssimo Senhor Presidente desta Academia de Letras, Doutor Solimar Soares da Silva,

Pai, Mãe,

demais parentes e amigos presentes.


No ano em que a Academia Cachoeirense de Letras comemora seu Jubileu de Ouro, sinto-me presenteada por passar a fazer parte destes 50 anos de História, de homenagens prestadas a tantos homens e mulheres que mantêm viva sua obra no intuito de dar seguimento à preservação cultural e literária de nossa cidade, para que jamais se perca a essência intelectual, a sabedoria de nossa gente.

Hoje, 17 de agosto de 2012, minha história se cruza com a história desta academia de letras; hoje, minha contribuição para a preservação e continuidade da cultura literária da cidade de Cachoeiro de Itapemirim ganha novas vestes e passa, oficialmente, a ter registro histórico. Não costumo dizer que a conquista é minha, que os méritos são meus; atribuo a conquista a elas, às palavras que me acompanham desde muito tempo. Sinto-me honrada, pois a partir de hoje passo a ocupar a cadeira de n.º 37, cujo patrono e antecessor se destacaram por terem abrilhantado a História desta cidade, e a História do estado do Espírito Santo.

Augusto Emílio Estellita Lins, patrono da cadeira que passo a ocupar, nasceu em Recife/PE, aos 13 de maio de 1892. Capixaba e cachoeirense, não de “nascença”, mas por merecimento, adotou o Espírito Santo como sua “residência” em 1916, um ano após se formar em Direito pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro. Que feliz coincidência a minha, por ter escolhido esta mesma profissão! Assim que veio para Cachoeiro de Itapemirim, Augusto Emílio, aos 30 anos, destacou-se na política, tornando-se, em 1922, prefeito da cidade, mandato que cumpriu até 1924. Seguindo a carreira, elegeu-se Deputado Estadual por duas legislaturas (1929 a 1930 e 1935 a 1937).

Dentre as contribuições dadas por este homem aos registros históricos do estado, está a Academia Espírito-Santense de Letras, da qual foi presidente. Advogado, político, escritor; homem de sensibilidade, autor de várias obras; poeta. A trajetória de Augusto Emílio Estellita Lins foi marcada pelo empenho em destacar a pujança intelectual do Espírito Santo, evidenciando seus autores. Residindo em Vitória, idealizou e dirigiu o concurso Científico e Literário de Autores Espírito-Santenses e a Primeira Quinzena de Arte Capixaba, em 1938 e 1947, respectivamente. Mais tarde, em 1957, a Santa Sé o agraciou com a venera da Ordem Equestre de São Gregório Magno, no grau de Comendador.

Augusto Emílio Estellita Lins, nascido em Recife, capixaba por merecimento, teve seu trabalho reconhecido em outros estados brasileiros, escrevendo como colaborador para jornais e revistas do Rio de Janeiro, Santa Catarina e Minas Gerais. Enviava seus escritos, também, para O Cachoeirano, aqui em Cachoeiro de Itapemirim. Toda sua produção literária, retratada em mais de dez títulos, entre eles A Paixão Coletiva (1923), Zorobabel (1921, primeira edição e 1957, segunda edição), Variações Estéticas do Canaã e Graça Aranha e o Canaã do Espírito Santo (ambos em 1968), demonstram, lucidamente, a grandeza literária armazenada neste homem, que, privilegiava o intelecto, que não media esforços para que não morressem as palavras.

Embora o ser humano nem sempre reflita em seu semblante aquilo que traz em seu interior, os sofrimentos que nele, porventura, estejam armazenados, Augusto Emílio preferia parecer “vibrando de prazer”, como outrora escreveu: “Saber sofrer. Saber calar. / Saber disfarçar de tal forma o sofrimento / Que nosso aspecto sirva de argumento / De que estamos vibrando de prazer”. (Saber Sofrer).

Em 30 de dezembro de 1982, dois anos antes de meu nascimento, na cidade de Vitória, encerrou a última de suas obras: sua vida. Faleceu deixando legado e ensinamentos a serem seguidos, merecedores de nossas homenagens, insuficientes perante seus atributos.

Já Nelson Sylvan, “Seu” Nelson, último ocupante da cadeira n.º 37, nasceu nesta cidade em 10 de novembro de 1910. Homem íntegro, coerente, político militante, observador mordaz e inteligente. Filiou-se ao integralismo em 1932 e manteve, sempre, a crença em suas propostas, não permitindo, assim, ser contaminado pelo extremismo. Não raro discutia e oferecia propostas para o futuro de Cachoeiro; jamais perdera a esperança. Defensor implacável do bem, exemplo de homem digno, honrou sua existência terrena preservando e disseminando valores... Verdadeiro apaixonado, principalmente por sua esposa, Dona Lucila.

Um dos primeiros alunos do Liceu (1922) mesmo antes de assim ser nomeado (1936), trabalhou na Cia. Central de Força Elétrica (Escelsa). Foi bom funcionário, porém o ofício que mais apreciava era o de compor trovas. Membro do Instituto Histórico e Geográfico, Presidente do Centro Operário e de Proteção Mútua desde 1969, viveu pelos arredores da Rua 25 de Março, sendo, portanto, testemunha de boa parte da História de Cachoeiro: teve como vizinhos Rubem e Newton Braga.

Nelson Sylvan, de olhar firme e também adocicado, faleceu em 24 de janeiro de 2009. Infelizmente, apesar de ter sido sua contemporânea, não cheguei a conhecê-lo.  Um ano mais tarde, algumas de suas trovas foram reunidas em cordel, homenagem a seu centenário (2010). Tributo mais que merecido, de iniciativa do Instituto Newton Braga, Centro Operário e de Proteção Mútua, Cineclube Jece Valadão e Editora Cachoeiro Cult.

Como um mestre repassando conhecimento a seus discípulos, numa de suas composições, assim ensinou: “Você então quer saber como se faz uma trova. / Eu vou lhe satisfazer, mas põe sua cuca à prova. / Primeiro a rima acertada nos quatro versos, por fim, a métrica bem contada, sete sílabas, enfim. / Mas, um detalhe importante temos aí a observar: uma história fascinante os quatro versos vão contar. / Eis aí os elementos vitais à trova perfeita / rima, métrica, os momentos para que ela seja escorreita. / Mas tudo isso, preclaro, esbarra numa condição: você não fará trova, meu caro, se faltar inspiração!” (Trovador). Mesma inspiração que desejo, ardentemente, que não nos falte, nem sobre, mas que seja na medida certa, assim como o sal bem dosado, que revela o verdadeiro sabor dos alimentos.

Quanto a mim, que recebo a responsabilidade de zelar por este lugar, por esta distinta cadeira de n.º 37, posso dizer a meu respeito, que me esforçarei para manter digno este espaço, honrando-lhe, como fizeram os que vieram antes de mim.

Nasci em 29 de dezembro de 1984 e completei meus primeiros anos em Taquarinha, zona rural deste município. Lá a casa era antiga, assoalho de madeira, telhas francesas, fogão à lenha na cozinha. Daquela época, muita coisa gostaria de contar, entretanto seriam necessárias mais algumas linhas, por isso, elegi apenas dois momentos, passagens que ficarão, para sempre, marcadas em minha lembrança. Aos quatro ou cinco anos, despertava no meio da noite e ao invés de manter o silêncio e tentar dormir novamente, corria para acordar meu pai e, convocava-o para uma expedição noturna. Normalmente, por volta das 2h ou 3h da madrugada, enquanto a vizinhança dormia, saíamos para caminhar. Em noites de Lua cheia, céu estrelado e bacuraus que jamais cansavam de repetir “amanhã eu vou, amanhã eu vou”, papai e eu conversávamos até que meu sono voltasse. Não sei de outra história como essa e nem sei de outro pai como esse, que mesmo cansado, sabedor do dia de trabalho vindouro, renunciava ao descanso para atender a este pedido de criança... Noutro momento, lembro-me de passar as tardes “compondo” versos solitários, versos que nem sabia serem versos, dado a tenra idade. Costumava enaltecer a natureza, a vida na roça, aquele cenário que desde sempre me acompanhou e encantou... Coisa típica de Cachoeiro, esta cidade entre as serras, uma doce terra, como diria Raul Sampaio.

Aos sete anos deixei para trás a Taquarinha e fui viver próxima à outra montanha, ali no Itabira. Estudei na “Escola Municipal Unidocente Itabira”, onde cursei até a 4.ª série. Depois segui para o extinto “Colégio Ateneu Cachoeirense” e lá permaneci estudando até a conclusão do Ensino Médio. Posteriormente iniciei o curso de Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim (FDCI), isso em 2004.

Em 17 de abril de 2008, há exatos quatro anos e quatro meses, escrevi artigo intitulado “As Aparências Enganam”. Naquele dia, timidamente, decidi mostrá-lo ao Doutor Higner Mansur. Ele leu e perguntou se eu não gostaria de publicar aquele escrito. Meu artigo, então, fora publicado no Jornal Fato e também no online Atenas Notícias. Continuei escrevendo, continuei recebendo o incentivo do Doutor Higner, continuei publicando... E para minha felicidade, não tardou até que o Jornal Fato enviasse convite para que minhas opiniões fossem publicadas semanalmente. Os textos, desde então, são levados ao público aos domingos, dia em que tenho a feliz companhia do Doutor Sérgio Damião, médico, que por tantos anos cuidou de minha avó Zelinda, articulista, meu confrade, com quem divido e espero continuar dividindo a mesma página do jornal por longos anos!

Quando se vive momentos como o de hoje, não há como descrever a emoção, a sensação de bem estar que somente o brilho nos olhos e o sorriso podem demonstrar. É por tal sensação, tal grandeza de espírito, que jamais me furtaria em agradecer todos os que fizeram e continuam fazendo parte desta minha trajetória, que não se cansam de repetir incentivos, que tantas vezes me ofertaram tão generosamente seus abraços; agradecer aos que me antecederam, por terem tornado digna a memória a que teci tão singela homenagem; Agradecer aos confrades e confreiras pela calorosa e fraternal recepção; agradecer de modo especial à minha família, meus pais, Waldir e Rosa, minha irmã, Angélica, por serem, para mim, a melhor família que já existiu; agradecer, ainda, aos presentes, a todos que externaram de algum modo seu carinho; agradecer a Deus, em quem tanto confio e sei que zela por mim...

Os caminhos daqueles que escrevem são floridos. Quem escreve o faz primeiro para satisfazer suas próprias necessidades, para alimentar a si mesmo. Escrever é metamorfose e, também, metamorfosear. Transformação de si mesmo e do outro, algo como Raul (o Seixas) disse naquela canção: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo (do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo)”.

No decorrer destes vinte e sete anos de existência, não houve um dia sequer em que fui igual, porque a cada novo dia algo em mim mudou. Diariamente sou modificada por algo que acrescento ou podo de mim. Vivo para aparar arestas e regar plantas. Persigo o BEM assim como Seu Nelson, talvez não com a mesma excelência, mas creio que chegarei lá, a uma porque não penso em desistir, a duas, porque, permita-me Rubem Braga, também sou de Cachoeiro!

Muito Obrigada!

Valquiria Rigon Volpato
17 de agosto de 2012