"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Intere$$es demais, participação de menos...


Nos últimos meses a questão Itabira vem se resolvendo. Com reuniões periódicas do conselho municipal, estudos de campo e muita, mas muita reclamação e polêmica envolvida, a área do Monumento Natural (que, diga-se de passagem, e propositalmente, é BEM DE TODOS, por isso deve ser preservada por todos) começa a se delinear. Antigas e imotivadas medidas estão às vésperas de serem substituídas; “estudos” feitos em livros e resultados obtidos em “gabinete”, uma vez dimensionaram áreas de preservação (no entorno do Itabira, bem como a chamada zona de amortecimento) com toques nada sutis de interesses alheios. Uma vexaminosa forma de agradar e ser agradado, coisa que considero, abertamente, repulsiva!

Fato é que tenho observado e acompanhado as reuniões que posso e da mesma forma tenho tentado repassar informações aos que ainda desconhecem o processo pelo qual está passando a região do Itabira, mas a conclusão que chego é que muitos jamais tiveram real interesse, interesse refletido em preservação, em fiscalização e proteção ambiental. Nesta reta final, gente que até então se manteve calada, começou a levantar “bandeiras” e o que é pior: dizer-se mal informado...

Não sou membro efetivo do conselho municipal do Monumento Natural Itabira (ainda), mas sempre busquei saber quais medidas estavam sendo tomadas e não foram poucas as vezes em que estive na Secretaria de Meio Ambiente para perguntar quando seria a “próxima reunião”. Informações não vieram até a mim, fui buscá-las e assim continuo fazendo. No entanto e, pesarosamente, não há muitos praticando o mesmo exercício em busca do conhecimento e da defesa da coletividade. Ultimamente, manifestamente, outros interesses vêm à tona... E por este motivo tem havido reboliço onde não era para ter... Foco incorreto, falas incorretas. Lamentável.

A Lei 9.985/2000, que regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, chamado costumeiramente de SNUC. Estão definidos, no art. 8º, os grupos das Unidades de Proteção Integral: I - Estação Ecológica; II - Reserva Biológica; III - Parque Nacional; IV - Monumento Natural; V - Refúgio de Vida Silvestre. O objetivo básico deste tipo de unidade de conservação (Monumento Natural) é preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica, ainda que em áreas particulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários. A lei também salvaguarda a possibilidade de desapropriação em caso de incompatibilidade entre os objetivos da área e as atividades privadas ou mesmo caso não haja aquiescência do proprietário às condições propostas pelo “órgão responsável” pela administração da unidade para a coexistência do Monumento Natural com o uso da propriedade. Ou seja, não há outra saída a não ser a preservação.

Blindar um bem natural é garantir o futuro. Para a área do Itabira nascerá, em breve, o Plano de Manejo, uma espécie de manual que deverá ser seguido por proprietários e por todo aquele que desejar, de alguma forma, promover atividades de significativo impacto ambiental na área protegida. O que nos cabe é respeitar, não exatamente um documento, mas sim a natureza.

Área de preservação ambiental integral não pode ser objeto de atividades extrativistas, tampouco ser sufocada por “selvas de pedras”. A beleza cênica deve ser conservada, ainda que intere$$es pareçam falar mais alto... Do engessamento sou contra. No entanto, caso não engessar signifique destruir, eis-me aqui, ferrenha combatente... Como de costume.


(Valquiria Rigon Volpato - Advogada e Escritora)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Cem anos com e sem Rubem Braga

Cem anos se passaram e “parece que foi ontem”, como uma vez disse Sérgio Garschagen, que às “laranjeiras” apareceu o Sabiá... Em 12 de janeiro de 1913 nascia, de Cachoeiro de Itapemirim para o mundo, Rubem Braga, considerado o melhor cronista do Brasil, que despertou encanto por ser único (como somente ele era) na arte de transformar o cotidiano em história poética, um verdadeiro lirismo no dia a dia, fazendo com que até a tristeza, por mais triste que estivesse, convertesse-se em ternura, num gesto de reconhecimento ao talento de quem, com maestria, brincava de escrever. “Eis o segredo de Rubem Braga: o de pôr nas suas crônicas a inefável poesia que Deus lhe deu” (Manuel Bandeira).

Rubem Braga é aquele tipo de cidadão universal. Em sua biografia acumula feitos que atravessaram oceanos. O cachoeirense, nascido na casa, a Casa dos Braga, na Rua Vinte e Cinco de Março, saiu de sua cidade ainda jovem, no entanto jamais a deixou para trás. Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Minas Gerais, Itália, França... O menino da Capital Secreta revelou-se para muitos, tornou-se conhecido e reconhecido por sua extrema qualidade textual e também por ser um “turrão” de humor apurado, de pensamentos tão seus e intimidade para poucos revelada. “Seguramente o mais subjetivo e o mais lírico dos cronistas brasileiros. A marca registrada dos textos de Rubem Braga é a crônica poética, na qual alia um estilo próprio a um intenso lirismo, provocado pelos acontecimentos cotidianos, pelas paisagens, pelos estados de alma, pelas pessoas, pela natureza.” (Afrânio Coutinho). 

De fato, pessoas como Rubem Braga não nascem todos os dias. O que havia em seu interior era singelo e por isso lindo, indiscutivelmente. “Talvez não existam na literatura de Rubem as melhores crônicas, mas as necessárias, aquelas que melhor exprimem seu temperamento de homem e de artista. Poderiam ser 100, 200 ou 500, e sempre teríamos de Rubem antologias modelares, para crescer como ser humano, para saber mais sobre a nossa gente, para saber mais sobre o Brasil, com nosso jeito e nosso gosto – uma identificação de alma, diria o cronista.” (André Seffrin).

O Sabiá da crônica, como ficou conhecido o eterno Rubem, torna-se centenário e sua existência merece celebração. Cachoeiro de Itapemirim, berço incontestável de artistas ímpares, como o são Rubem Braga, Newton Braga, Roberto Carlos, Raul Sampaio e tantos outros, tem o dever de render homenagens a seus mais ilustres filhos, aqueles que, mesmo distantes, jamais tiram de si o bairrismo característico do cachoeirense: “Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa: Eu sou lá de Cachoeiro”. (Rubem Braga). 

Na canção “Eu e o Sabiá”, o pedido é simples: “Ai quem me dera Sábia, também ter asas pra voar. E ver do alto a natureza, perceber toda beleza, a razão do teu cantar”. Rubem Braga nasceu com asas, voou o mais alto que pôde, contemplou a natureza, percebeu e sentiu toda a beleza, a mais pura que poderia existir; tornou-se fazendeiro, o mais legítimo fazendeiro do ar... Pelos cem anos da “aparição” de Rubem Braga, alegria sem fim, que invade o coração e enche de orgulho quem, como ele, pode bater no peito para dizer: “Eu sou lá de Cachoeiro”.

(Valquiria Rigon Volpato - Advogada e Escritora)