"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Por trás do silêncio...

Silenciar nem sempre significa inatividade. Por vezes o silêncio espelha apenas a indignação calada que os olhos capturaram, que a boca não foi capaz de verbalizar e até mesmo a escrita, com sua magnitude, não pôde sintetizar. É cruel aceitar que o silêncio acaba imperando nas situações em que, certamente, o grito seria a melhor opção. Gritar parece fácil e quando se pensa no alto som da voz, a impressão é a de que alguém ouvirá. Como não escutar o brado, ainda mais alto e dolorido partindo de dentro, de onde nasce o desespero por ver, ouvir e não conseguir falar? Contudo, a pior das constatações está na insensível realidade, na malévola atitude pálida e insossa da inoperância, das respostas medíocres, da despreocupação proposital culminada no riso hipócrita do “infelizmente não há o que fazer”. Como admitir isso? Como aceitar a negativa como única opção? Como viver o caos e acostumar-se a ele?

Quando alguém emudece não se pode, simplesmente, pré julgar e apenas concluir: “ficou mudo. Preferiu calar”. Não. De forma alguma. O emudecer de alguém que está acostumado a gritar tem significado muito maior e deve ser visto como (mau) presságio, pois a ausência sonora pode sinalizar a forma mais terrível de sufocamento.

Ninguém sai ileso de uma guerra, não se volta para casa após as batalhas sem marcas; todo confronto finca no soldado alguma cicatriz, ainda que ele não a perceba de imediato. As lesões mais profundas não são as sangrentas, aquelas que expõem o tecido epitelial e devassam a carne. Não. Essas se curam. Fecham. As piores cicatrizes estão talhadas por dentro, onde poucos ou ninguém é capaz de as enxergar e, assim, o combatente sofre a sós, recolhido no pós-guerra, atual drama; vivencia a inquietude interna contrastada com o silêncio exterior. Pergunta-se, talvez, se ao menos o confronto foi vencido, algo que justificaria as feridas. Resposta certeira, como flecha disparada rumo ao coração inimigo, castiga a esperança de quem aguarda, e anuncia: Não. Os flancos permanecem em posição, as trincheiras escondendo futuras dores... a guerra não cessa, as armas não são baixadas um só segundo... Não há fim, por mais que haja feridos ou mesmo mortos.

Beira à loucura aspirar por um cenário diverso, pois parece muito fácil (realizar a mudança) e ao mesmo tempo muito difícil (realizar a mudança). O paradoxo produz espécie de substância nociva à estabilidade emocional, corrompendo neurônios, destruindo as sinapses, deixando o indivíduo apático, inerte; um estado de choque provocado pela discrepância entre o querer e o (não) poder.

Guerreiros calados, feridos, débeis, cansados... Fartos da gordura mórbida dos sistemas administrativos que não andam, não se movimentam, porque pesam demais, porque estão entupidos daquilo que não lhes é saudável, do que os faz cada vez mais inchados e pouco produtivos.

Óleo sobre tela, moldura, um quadro, mas que imagem triste! Artista desafortunado este, retratando o mais lastimável dos cenários. Nome para a obra? Sim. Chama-se “Inércia”. Próxima pintura? Sim. Inspirada nas minorias agonizantes que ainda buscam forças para manterem-se vivas, enquanto esmagadora maioria dorme, eternamente, em berço esplêndido...

Valquiria Rigon Volpato
30 de janeiro de 2015.