"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

quarta-feira, 18 de maio de 2016

À deriva... A sós


Falar às claras, sem medo de retaliações, sem pensar em poréns e entretantos, sem ser julgado; apenas falar e esquecer que existe ouvinte. Falar. Ah se fosse fácil assim... São tantas voltas, acaba-se até mesmo perdendo o objetivo, não se diz a verdade por completo e, assim, vamos vivendo de meias verdades (ou quase mentiras?). E por quê? Medo de causar ao outro sentimentos menos nobres ou medo de causar em nós os mesmos pobres sentimentos? Por mais que doa a conclusão, por mais egoísta que possa parecer, não há preocupação com o outro. É balela. Cada um tem se preocupado consigo mesmo, levando a vida num mar de individualismos... nem mesmo quando se está “junto” realmente se está “junto”.

O “homem do futuro”, agora, segue o caminho que julga ser melhor e, apesar de estar tão acostumado a compartilhar em suas inúmeras redes sociais, não sabe o verdeiro sentido de compartilhar em sua vida real. E continua assim, dia após dia, crendo que é companheiro, cooperativo. Palavras. Apenas palavras bonitas para serem ditas em momentos oportunos, de modo que, naquela ocasião os ouvintes fiquem cativados por aquela sensação ilusória; mal sabem que a proposta coletiva do momento serve tão somente para que todos ali reunidos encontrem, cada um, seu propósito indivualista e fijam acreditar que estão juntos pelo mesmo objetivo.

No deserto de vontades não convergentes, fica à deriva o ser humano, navegando errante por mares desconhecidos ainda sem saber que está perdido. Quando tomará consciência que se perdeu? Talvez nunca ou, então, quando descobrir que chegou onde queria e, embora tendo chegado, estará a sós com sua vitória. Todos aqueles, os mesmos que foram motivados à coletividade, ficaram para trás, cada qual seguindo rumo a seu particular destino.

Aparentemente tão conectados, tão unidos, mas no fundo sozinhos, bancando os independentes, com risos rasos e dores profundas. Fala-se pouco, verdades aos pedaços, que de tão estilhaçadas nem se sabe onde se encaixam... Produto de multiplicações incertas, divisões forçadas, somas inapropriadas e diminuições traumáticas; entre tantas operações, impossível não notar algumas mutilações. Fragmentos de gente.

Embarcados no que pensam ser a vida, velejam levando consigo a bússula indicadora de nortes específicos; cada um tem o seu. Não são mais direcionados por coordenadas geográficas, são movidos por suas próprias orientações; crêem em suas convicções pré-moldadas. Pouco a pouco vão se distanciando, provocando desencontros, fazendo dos intervalos duras rupturas. Não se importam mais se vão sangrar ou se já estão sangrando. Dói? Quem sabe...? Isolados, ainda que gritem, não serão ouvidos e então todos pensarão que não há feridas... nem dor.

E então cada qual continuará o seu caminho, pisando firme, com decisão, obstinadamente; nenhum dos dois olhará para trás.” (Newton Braga).



Valquiria Rigon Volpato
18 de maio de 2016