Silenciar nem sempre significa inatividade. Por vezes o silêncio espelha
apenas a indignação calada que os olhos capturaram, que a boca não
foi capaz de verbalizar e até mesmo a escrita, com sua magnitude,
não pôde sintetizar. É cruel aceitar que o silêncio acaba
imperando nas situações em que, certamente, o grito seria a melhor
opção. Gritar parece fácil e quando se pensa no alto som da voz, a
impressão é a de que alguém ouvirá. Como não escutar o brado,
ainda mais alto e dolorido partindo de dentro, de onde nasce o
desespero por ver, ouvir e não conseguir falar? Contudo, a pior das
constatações está na insensível realidade, na malévola atitude
pálida e insossa da inoperância, das respostas medíocres, da
despreocupação proposital culminada no riso hipócrita do
“infelizmente não há o que fazer”. Como admitir isso? Como
aceitar a negativa como única opção? Como viver o caos e
acostumar-se a ele?
Quando
alguém emudece não se pode, simplesmente, pré julgar e apenas
concluir: “ficou mudo. Preferiu calar”. Não. De forma alguma. O
emudecer de alguém que está acostumado a gritar tem significado
muito maior e deve ser visto como (mau) presságio, pois a ausência
sonora pode sinalizar a forma mais terrível de sufocamento.
Ninguém
sai ileso de uma guerra, não se volta para casa após as batalhas
sem marcas; todo confronto finca no soldado alguma cicatriz, ainda
que ele não a perceba de imediato. As lesões mais profundas não
são as sangrentas, aquelas que expõem o tecido epitelial e devassam
a carne. Não. Essas se curam. Fecham. As piores cicatrizes estão
talhadas por dentro, onde poucos ou ninguém é capaz de as enxergar e,
assim, o combatente sofre a sós, recolhido no pós-guerra, atual
drama; vivencia a inquietude interna contrastada com o silêncio
exterior. Pergunta-se, talvez, se ao menos o confronto foi vencido,
algo que justificaria as feridas. Resposta certeira, como flecha
disparada rumo ao coração inimigo, castiga a esperança de quem
aguarda, e anuncia: Não. Os flancos permanecem em posição, as
trincheiras escondendo futuras dores... a guerra não cessa, as armas
não são baixadas um só segundo... Não há fim, por mais que haja feridos ou mesmo mortos.
Beira
à loucura aspirar por um cenário diverso, pois parece muito fácil
(realizar a mudança) e ao mesmo tempo muito difícil (realizar a
mudança). O paradoxo produz espécie de substância nociva à
estabilidade emocional, corrompendo neurônios, destruindo as
sinapses, deixando o indivíduo apático, inerte; um estado de choque
provocado pela discrepância entre o querer e o (não) poder.
Guerreiros
calados, feridos, débeis, cansados... Fartos da gordura mórbida dos
sistemas administrativos que não andam, não se movimentam, porque
pesam demais, porque estão entupidos daquilo que não lhes é
saudável, do que os faz cada vez mais inchados e pouco produtivos.
Óleo
sobre tela, moldura, um quadro, mas que imagem triste! Artista
desafortunado este, retratando o mais lastimável dos cenários. Nome
para a obra? Sim. Chama-se “Inércia”. Próxima pintura? Sim.
Inspirada nas minorias agonizantes que ainda buscam forças para
manterem-se vivas, enquanto esmagadora maioria dorme, eternamente, em
berço esplêndido...
Valquiria Rigon Volpato
30 de janeiro de 2015.