"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

A Moça do Tempo



Cachoeiro de Itapemirim – ES, 30 de setembro de 2020.


Amigos,


O tempo. Ele me trouxe até aqui, desde a primeira vez, em 25 de março de 2017. Tempo que de lá pra cá passou rápido, tão rápido quanto as águas do Itapemirim naquele 25 de janeiro...

Voltar a Cachoeiro me faz bem; repetir o ritual, quase sagrado, de passear pela Praça Jerônimo Monteiro e me sentar para observar a cidade; a vida acontecendo. E a vida acontece de tantas maneiras: no seu João, regando as plantas, caprichosamente, no canteiro; no artista de rua, que expõe seus trabalhos sobre um pano e faz daquele tecido sua mais valiosa propriedade; no vai e vem apressado dessa gente trabalhadora; acontece nos sorrisos escapulidos numa eventual troca de olhares; no som do vento arrastando as folhas secas caídas ao chão; no canto do sabiá; na leveza da batida das asas da borboleta; na elegância do Flamboyant; a vida segue, acontece e eu a vejo em cada canto dessa cidade.

O tempo. Ele nos permite aprender. Muitas batalhas, hoje transformadas em vitórias, quase nos fizeram desistir, mas foi, justamente, no cerne da luta mais árdua onde encontramos forças... Com o passar do tempo, aprendemos a importância das pequenas conquistas, entendemos que a vida vai nos colocar em situações difíceis e vamos ter de mostrar o quão forte somos; assim é que ela nos ensina a resistir. Resistir e vencer.

O tempo. Ele nos ajuda a esquecer as intempéries, contudo, gentilmente, compõe cada traço do eu que nos tornamos. Amadurecer é processo de crescimento regido pelo tempo, subsidiado pelas constantes transformações impostas à existência humana; somos um carrossel de emoções seguros, tantas vezes, pelas hastes da razão: assim é a beleza de sermos humanos.

No ofício de escrever cartas, trafeguei pelo tempo: de 1867, cento e cinquenta anos mais tarde, desejei que soubéssemos “conduzir com sabedoria o destino de nossa Cachoeiro, preocupados sim com o progresso material, contudo ainda mais atentos ao progresso humano... Porque é com gente que se constrói... Alvenarias e também o futuro”. Noutra passagem, a certeza de “quanto nossa cidade ainda amadurecerá com o passar dos anos”. 

O tempo. Esse senhor tão bonito, compositor de destinos, tão inventivo quanto a verve do artista! Disse o poeta: “que a arte me aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba e que ninguém a tente complicar, pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer”. Permitam-se contaminar pelas experiências que convulsionam os processos mentais; arte é envolvimento, toque, presença, gosto, cheiro. Sim! Façam arte, façam drama; sejam como a bailarina, que se rodopia ao som dos bandolins! Alcancem a sofisticada simplicidade; floresçam.

Em 2020 o tempo, sobremaneira, mostrou sua importância, tivemos de associá-lo a resiliência, encontrar novos horizontes, redescobrir formas de olhar e entender as oportunidades; equilibristas, malabaristas... O tempo, amigos, nos ensinou: somos todos artistas! Não tomem minha despedida como um adeus. Eu volto. Nós voltaremos! Não sei quando, mas creiam: em algum lugar no tempo nós estaremos, pra sempre, juntos!

E, onde vocês estiverem, não se esqueçam de mim... 


A Moça do Tempo