"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

IncoMude-se

"Encaixados vão construindo a vida, que é estrada, mas não ponto final"...


Tantas coisas para escrever e um emaranhado de pensamentos tentando encontrar porta de saída – assim me sinto quando tenho a necessidade de olhar o papel em branco e conversar com ele coisas que, até sei dizer, mas não com a precisão com a qual posso escrever. Janeiro de 2023, o tempo não parou para minhas reflexões sobre o ano que passou – e 2022 merece uma pausa, uma xícara de café, um biscoitinho polvilhado com açúcar; merece ser sentido.

É clichê falar sobre aprendizados após o ano que se encerra, todo mundo faz isso – e daí se sou todo mundo de vez em quando?! – fato é que 2022 me deu certezas, entre elas que caminho não é destino. Mulher, 38 anos, advogada, servidora pública, escritora por paixão e muita convicção, solteira, sem filhos por opção, esses são os pavers do caminho que percorri até aqui. Encaixados vão construindo a vida, que é estrada, mas não ponto final. Lembro da metáfora do sapo, que se colocado na panela com a água ainda fria e aos poucos esquentando, certamente, morrerá cozido, porque a forma paulatina como o calor envolve o anfíbio não proporcionará o incômodo necessário para que ele pule e salve a própria vida. O sapo morre cozido na acomodação da água que esquenta aos poucos – o homem também.

Na história do sapo fico imaginando alguns cenários possíveis: ele se acostuma a ferver e morre sem reagir, sem sequer se debater, porque não percebe. Alguém o cutuca, balança a panela, ele pula para fora – estaria vivo! Mas, em “casa”? A verdade – minha e não, necessariamente, do sapo – é que o calor da água quente dá a impressão de segurança, conforta algumas emoções; do lado de lá da panela é desconhecido, frio (?), as possibilidades são infinitas e dá medo de viver, de experimentar o novo. Lembra quando eu disse que está tudo bem ser todo mundo de vez em quando?

Em 2022 cutucaram a panela e o “eufíbio” pulou para onde não conhecia. Não houve chão seguro, pelo contrário, a sensação de não estar em casa trouxe desconforto e noites mal dormidas; momentos em que voltar para a água quente parecia meta, única solução. Por fim, desistir. O aprendizado, afinal, repousaria no desistir? Fatalmente, que não! Há que se aprender, ainda, que a vida é estrada e não destino, por isso desistir não é sequer opção. Enquanto o foco era a panela, o mundo estava limitado ao diâmetro de grãos de arroz cozidos para o almoço; embora o sapo – e eu – não soubesse, depois de sair da letargia dessa enganosa sensação de conforto e segurança, outros lugares também podem ser seguros, não mais pela ebulição da água que acolhe – ilusão – e depois mata, mas pela pavimentação das vias condutoras do destino.

Acredito mesmo que não é necessário ter certeza o tempo inteiro – ganhar e perder, fazem parte – contudo, entender onde se está posicionado no universo é a medida certa entre a dimensão de mundo ou de panela. E se a água esquentar, pule.


Valquiria Rigon Volpato,

20 de janeiro de 2023.