"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Confesso

"...as camuflagens sociais e a ideia de domínio disfarçada de avanços científicos, contaminou o mundo com um poderoso vírus que, pouco a pouco, transformava pessoas em zumbis."


Confesso: não sou de assistir séries na Netflix. Os filmes me interessam mais pela brevidade nas conclusões. Ligo a TV, escolho o filme – nem sempre as escolhas me agradam ao final – assisto aquela narrativa e fim. Entretanto, em mais uma confissão, devo admitir que, recentemente, num Domingo de “atoísmo”, cuidando da mesma função de deitar, segurar o controle remoto e escolher, chamou minha atenção aquilo que já havia assistido diversas vezes em filmes: a Umbrella Corporation!

Resident Evil – lançado em 2002 – chamou minha atenção e não resisti. Cliquei e passei horas acompanhando o drama de Jade e sua irmã, Billie Wesker, na incansável luta para fugir do T-vírus, que se espalhava, novamente, sem controle, como no terrível incidente de Raccoon City, no México. O bioterrorismo da Umbrella nunca deixou de existir; as camuflagens sociais e a ideia de domínio disfarçada de avanços científicos, contaminou o mundo com um poderoso vírus que, pouco a pouco, transformava pessoas em zumbis. Descontrole emocional, raiva, episódios agressivos e morte – características marcantes de quem, seja como for, era contaminado pelo T-vírus.

Apenas fugir, tentar escapar, foi o que restou, inicialmente, à Jade, que viu aquele que dizia ser seu pai – na verdade criador – manter-se existindo, assim como seus clones, através do sangue de suas próprias filhas-criaturas. O drama familiar de Jade e Billie, que naquela altura convivia com instabilidades emocionais e o medo de se tornar um zumbi assassino, ainda que importante para uma análise de caso – até porque qualquer semelhança pode não ser mera coincidência – era secundário. De um lado, a Umbrella Corporation, liderada na ocasião pela implacável Evelyn Marcus, não permitia que nada atravessasse seu caminho rumo ao poder e dominação; sem aceitar opiniões contrárias, Evelyn atira e mata o próprio filho a sangue frio – uma cena que me fez congelar diante da TV. O surto caótico de Evelyn, que até minutos atrás aparentava ser “boa mãe”, impactou. Um tiro certeiro no olho do jovem Simon é a prova cabal de que a Umbrella não poderia abrir espaço para diálogo, tão pouco permitir a descoberta das consequências de seus experimentos irregulares e, assim, demonstrar ao mundo sua verdadeira intenção: lucrar, desenfreadamente, às custas dos mais fragilizados.

A promessa de inovações farmacêuticas pregada pela Umbrella Corporation – com fórmulas capazes de aliviar os estresses e ansiedades, na verdade, aplicava travas sensoriais, tornando os usuários insensíveis. Completamente, insensíveis. Mutações genéticas e armas biológicas, controle de massa: o objetivo aristocrata da corporação estava posto.

Baseada em privilégios de uma classe social, criada por detentores do capital, indiferentes a quaisquer mazelas humanas, Umbrella começa a ruir por seus próprios erros. As falhas, em especial de Raccoon City, evidenciavam que o modo de operação vigente não se sustentaria e que, apesar de todas as investidas para continuar seus testes ilegais, o apocalipse zumbi era irreversível. Noutra cena, Jade segue fugindo, lutando contra o sistema e perseguições de Umbrella, bem como lutando contra centenas de milhares de zumbis – despidos de qualquer reflexão, raciocínio ou característica humana, apenas repetindo atos agressivos em efeito manada.

Assisti aos oito episódios da primeira temporada de Resident Evil em sequência, aflita, dialogando com as personagens e, por fim, diferente dos filmes – cujas conclusões são imediatistas – à espera de novos capítulos, em especial, para Jade, que sem desistir, busca encontrar reagente antiviral para o T-vírus e, assim, curar e salvar a humanidade.

Resident Evil, Umbrella Corporation são obras de ficção. Apesar de se parecem muito com alguma realidade – brasileira – por aí.



Valquiria Rigon Volpato

02 de novembro de 2022.