Madrugadas,
aparentemente silenciosas, são verdadeiras passarelas do samba,
cobertas por foliões em plena agitação, serpenteando à noite,
colorindo o sólido preto, acendendo luzes desvairadas que saltitam
alegres pelas mentes em ebulição. Foram, assim, nas madrugadas, os
encontros não marcados que tivemos…
Éramos,
completamente, desconhecidos; olhares não cruzados, sorrisos não
trocados, estranhos até aquele momento. Seguíamos caminhos tão
distintos que, pensar aquele encontro, seria loucura; no entanto,
aconteceu. Atenta às
palavras, tratei com doçura
cada uma de
suas intenções, sem permitir qualquer antecipado julgamento capaz
de roubar a emoção do primeiro contato. Li,
reli, interpretei, mas, especialmente, consenti; deixei
ser quem quis. Tal
qual Arlequim, impulsionado pelas marchinhas carnavalescas, fui
bailando em seus contornos, nem sempre os mais apropriados para o tom
da música, contudo, sem regras para os passos daquela dança. Tão
livres e desimpedidos aqueles movimentos, uma deliciosa conquista
permeada pela liberdade que não cessou nas primeiras palavras, nem
se intimidou
com a ligeireza do tempo -
insistente em passar,
insistente em encurtar nossos encontros, insistente em ser o
regulador mais tirano das oportunas horas das, já, nossas
madrugadas.
A frequência nos tornou mais
íntimos, oferecendo-nos, em consequência, algo mais terno, porém,
não menos surpreendente, uma vez que, a cada novo encontro,
descobríamos como melhor nos comunicar. Eu cá, eles lá. Todos
eles. Com ou sem nomes, com pseudônimos ou autênticos, mas, sempre
emocionados, traziam suas verdades à tona, muitas vezes, cruas e
nuas. Ainda que apenas soubessem meu nome, eles me vinham, reais e
desejosos por algo que os chancelassem. Não imaginavam que, por
estarem ali, suas aprovações já estavam postas. Não, não busquei
neles perfeição, nem escorreita formação gramatical, rígida,
militarizada – que os poderia engessar. Quando os encontrava, nas
loucas madrugadas, queria que me fizessem emocionar e, quanto mais as
palavras me tocavam, mais próxima deles me faziam. Era, então, a
euforia necessária para estabelecer a relação já existente,
entretanto, ainda sem o liame indispensável para transformar o
“eu-eles” em nós.
Não os escolhi. Eles me escolheram.
Ouso dizer, ainda, que não nos encontramos, mas, eles me
encontraram; aprendi a casualidade sem máscaras, a compreensão não
taxativa… aprendi a magnitude de sentir sem estilizar, ser essência
para enxergar outras essências por aí. Foram algumas dezenas de
encontros, com sabores únicos, todos não marcados, nas madrugadas
febris das mentes inquietas; eu cá, eles lá, sem nunca termos nos
tocado, embora, tivéssemos, por inúmeras vezes, feito amor com
palavras.
(Sobre
a experiência de ser uma das curadoras do projeto Pré-Bienal Rubem
Braga 2018, “Livro Virtual de Crônicas e Outros Textos – Nas
Asas da Borboleta Amarela”)
25 de julho de 2018
Valquiria Rigon Volpato
Valquiria Rigon Volpato