Noite dessas sonhei que escrevia; não sei bem se era texto ou lamento, mas lembro que havia sentimento. Acordei com os olhos úmidos. Ao longo do dia fui sentindo saudades – um incômodo, melhor assim –, uma lembrança que sei bem de onde vem. Quando a vida fora faz muito ruído, o silêncio das palavras me acalma, faz com que dentro haja paz; percebo, imediatamente, o mar tempestuoso voltar a ser lagoa azul. Meu navio de emoções ancora e me sinto segura. Foi sempre assim, mas parece que havia esquecido...
Ontem caminhava pela Rua Vinte e Cinco de Março tentando não pensar – bem difícil, confesso, porque a cada passo enxergo um mundo inteiro à minha frente. São composições: vejo a arquitetura, a história, crio minhas próprias histórias e vou me emocionando com tudo. A Casa dos Braga sempre me chama atenção, não apenas pelos contornos de uma construção que imobilizou parte do tempo, mas pelas vozes que ouço quando passo pela calçada; em verso e prosa, nitidamente, conversam comigo. A noite de ontem me pareceu, providencialmente, especial ao se chocar com a necessidade dos meus silêncios, que na verdade são silêncios para o mundo ao redor – é quando deixo de escutar os outros e passo a fazer meu próprio barulho.
No Jardim da Poesia vi palavras se ajuntando em sinuosas curvas; poéticas vinham ao encontro das tolices guardadas em meu coração. Pausa. Olho novamente. O externo está em câmera lenta e agora parece fazer mais sentido. Valsamos – palavras, sons e silêncios, nada além de nós e nossa particular admiração uns pelos outros – tão despreocupadamente nos entrelaçamos, mesmo instante em que o relógio parou e houve um último estampido, o som produzido pelo cessar do caos.
Nasci
palavra. A vida tem me feito texto. Vejo meus pontos, vírgulas, novos
parágrafos e essa costura assimétrica de um ensaio literário, uma obra de sons
e particulares silêncios. Os mergulhos em mim são profundos, não consigo estar
na superfície da vida e, quando ignoro, ela me alcança e me devolve – não sei
respirar fora de mim –, me traz sonhos como o daquela noite em que escrevia, umedece
meus olhos, força minhas placas tectônicas e provoca abalos sísmicos em
sentimentos esquecidos; tudo vem à tona, é sim como as lavas vulcânicas, não há
como conter, impedir, não há esbarro, limite, contenção, apenas deixar fluir,
queimar, encontrar seu curso e, novamente, silenciar.
O vulcão adormecido nunca deixou de existir. Ele sempre estará lá. Até a próxima erupção.
Os
Silêncios, de Valquiria Rigon Volpato
11
de agosto de 2022.