Lembro-me
bem de quando tinha 12 anos. 12 não, talvez um pouco menos. 10 anos,
isso. Era aquele tipo de criança miudinha – a sensação é de que
tenho o mesmo tamanho desde então – nunca fui do tipo magra, era
mais o que minha avó dizia: “tem saúde, essa menina!”. Uma
criança, com coisas de criança, mas com certas insatisfações tão
severas, que, às vezes, nem parecia ser criança. Sabe o cabelo
enrolado? Ah, que tristeza que era aquilo… Estar diante do espelho,
ver os cabelos rebeldes, sem limites, como se estivessem em plena
revolução, despertava a vontade de entrar, literalmente, em guerra
contra aqueles fios indomáveis. É… e virou guerra MESMO!
Nas
primeiras batalhas, obriguei minha mãe a ser aliada de fronte; olhei
para ela, decidida, e disse: “vamos alisar”. Decisão que parecia
muito corajosa para uma menina de 12 anos, agora sim, já com 12 anos
e insatisfações ainda maiores. Começamos a saga da compra de
produtos e idas aos salões de beleza, mas nada parecia adiantar
muito, porque, em vez de alisar, apenas causava mais furor aos fios,
que em ato de contra-ataque, mostravam-se ainda mais selvagens.
Diante do espelho, passava horas arrumando meios de esconder quem ele
(o cabelo) realmente era, torcendo para dormir crespa / cacheada e
acordar comportada / lisa.
Teve
um dia, dia daqueles em que a batalha parecia perdida, ouvi conselhos
de madrinha. Dizia ela, entusiasmada: “Tem jeito. No salão da
Neinha! Ela sabe fazer um negócio diferente, que você nem precisa
gastar com produto. Ela só escova seu cabelo e pronto. Lisinho
lisinho”. O salão da Neinha, então, passou a ser um objetivo a
ser alcançado. Coitada de mamãe, que agora precisava encontrar
meios de me levar naquele santuário do cabelo liso e ainda pagar
pelo trabalho de Neinha. Esperei dia especial, casamento de uma prima
e marquei para fazer o procedimento. Seria mágico sair de lá com
todos os fiozinhos no lugar e arrasar na festa! Lá fomos nós.
Neinha não era bem o que eu imaginava, mas, ainda confiante em seu
trabalho, deixei a “mágica” acontecer. Naquela época, o serviço
ficava por R$ 7,00 – sim, houve um tempo em que com R$ 7,00 se
podia fazer escova no cabelo. Quando Neinha disse: “Pronto. Tá
linda”, olhei-me no espelho e levei um baita susto… O cabelo que
eu imaginava era liso, não aquilo… aquela montanha de cabelos
desajeitados. Os olhos lacrimejaram, falei baixinho para minha mãe:
“vamos embora”. Cheguei em casa, desesperada, e corri para
debaixo do chuveiro, sem pensar por um minuto que o trabalho de
Neinha e o dinheiro de meus pais iriam, literalmente, para o ralo.
O
tempo foi passando e nada dava jeito no cabelo, tão pouco em minhas
insatisfações… Gastei anos de adolescência e juventude pensando
em como poderia ser diferente, como faria para obrigar meu cabelo a
deixar de ser quem ele era. Procedimentos químicos que o agrediram
tanto, a ponto de quase matá-lo, porque era isso que eu fazia:
tentava matar sua essência. Já adulta, pouco tempo atrás, fui ao
Rio de Janeiro com uma amiga, ela queria cortar os cabelos, eu apenas
a acompanharia, mas, sei lá o que me deu, enchi-me de nova coragem,
e resolvi: “quero cortar”. E cortei muito. Foi o primeiro passo;
pela primeira vez me rendi, hasteei bandeira branca… meu cabelo,
finalmente, havia vencido a guerra! Parei de lutar e desde então eu
o deixei ser quem sempre foi, quem sempre quis ser.
Dia
desses, na fila do banco, lembrei de toda a trajetória de lutas
contra meu cabelo, das angústias, insatisfações e, então,
refleti:
Se
eu soubesse, aos 12 anos, que aos 33 minhas expectativas em relação
à vida seriam tão diferentes;
Se
eu soubesse, aos 12 anos, que aos 33 as insatisfações existiriam,
mas seriam outras;
Se
eu soubesse, aos 12 anos, que aos 33 deixaria que meu cabelo fosse
exatamente como era aos 12…
Ah,
se eu soubesse… Se eu soubesse, aos 12, por tudo o que passaria até
chegar aos 33, certamente não mudaria nada do que vivi, faria tudo
do mesmo jeito... E seria (como sou) feliz!!! por ter chegado aos 33
permitindo que meu cabelo seja livre... me permitindo, finalmente,
ser quem SOU.
23
de março de 2018
Valquiria
Rigon Volpato