"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

terça-feira, 27 de março de 2018

Sobre cabelos e outras voltas que a vida dá...



Lembro-me bem de quando tinha 12 anos. 12 não, talvez um pouco menos. 10 anos, isso. Era aquele tipo de criança miudinha – a sensação é de que tenho o mesmo tamanho desde então – nunca fui do tipo magra, era mais o que minha avó dizia: “tem saúde, essa menina!”. Uma criança, com coisas de criança, mas com certas insatisfações tão severas, que, às vezes, nem parecia ser criança. Sabe o cabelo enrolado? Ah, que tristeza que era aquilo… Estar diante do espelho, ver os cabelos rebeldes, sem limites, como se estivessem em plena revolução, despertava a vontade de entrar, literalmente, em guerra contra aqueles fios indomáveis. É… e virou guerra MESMO!

Nas primeiras batalhas, obriguei minha mãe a ser aliada de fronte; olhei para ela, decidida, e disse: “vamos alisar”. Decisão que parecia muito corajosa para uma menina de 12 anos, agora sim, já com 12 anos e insatisfações ainda maiores. Começamos a saga da compra de produtos e idas aos salões de beleza, mas nada parecia adiantar muito, porque, em vez de alisar, apenas causava mais furor aos fios, que em ato de contra-ataque, mostravam-se ainda mais selvagens. Diante do espelho, passava horas arrumando meios de esconder quem ele (o cabelo) realmente era, torcendo para dormir crespa / cacheada e acordar comportada / lisa.

Teve um dia, dia daqueles em que a batalha parecia perdida, ouvi conselhos de madrinha. Dizia ela, entusiasmada: “Tem jeito. No salão da Neinha! Ela sabe fazer um negócio diferente, que você nem precisa gastar com produto. Ela só escova seu cabelo e pronto. Lisinho lisinho”. O salão da Neinha, então, passou a ser um objetivo a ser alcançado. Coitada de mamãe, que agora precisava encontrar meios de me levar naquele santuário do cabelo liso e ainda pagar pelo trabalho de Neinha. Esperei dia especial, casamento de uma prima e marquei para fazer o procedimento. Seria mágico sair de lá com todos os fiozinhos no lugar e arrasar na festa! Lá fomos nós. Neinha não era bem o que eu imaginava, mas, ainda confiante em seu trabalho, deixei a “mágica” acontecer. Naquela época, o serviço ficava por R$ 7,00 – sim, houve um tempo em que com R$ 7,00 se podia fazer escova no cabelo. Quando Neinha disse: “Pronto. Tá linda”, olhei-me no espelho e levei um baita susto… O cabelo que eu imaginava era liso, não aquilo… aquela montanha de cabelos desajeitados. Os olhos lacrimejaram, falei baixinho para minha mãe: “vamos embora”. Cheguei em casa, desesperada, e corri para debaixo do chuveiro, sem pensar por um minuto que o trabalho de Neinha e o dinheiro de meus pais iriam, literalmente, para o ralo.

O tempo foi passando e nada dava jeito no cabelo, tão pouco em minhas insatisfações… Gastei anos de adolescência e juventude pensando em como poderia ser diferente, como faria para obrigar meu cabelo a deixar de ser quem ele era. Procedimentos químicos que o agrediram tanto, a ponto de quase matá-lo, porque era isso que eu fazia: tentava matar sua essência. Já adulta, pouco tempo atrás, fui ao Rio de Janeiro com uma amiga, ela queria cortar os cabelos, eu apenas a acompanharia, mas, sei lá o que me deu, enchi-me de nova coragem, e resolvi: “quero cortar”. E cortei muito. Foi o primeiro passo; pela primeira vez me rendi, hasteei bandeira branca… meu cabelo, finalmente, havia vencido a guerra! Parei de lutar e desde então eu o deixei ser quem sempre foi, quem sempre quis ser.

Dia desses, na fila do banco, lembrei de toda a trajetória de lutas contra meu cabelo, das angústias, insatisfações e, então, refleti:

Se eu soubesse, aos 12 anos, que aos 33 minhas expectativas em relação à vida seriam tão diferentes;
Se eu soubesse, aos 12 anos, que aos 33 as insatisfações existiriam, mas seriam outras;
Se eu soubesse, aos 12 anos, que aos 33 deixaria que meu cabelo fosse exatamente como era aos 12…
Ah, se eu soubesse… Se eu soubesse, aos 12, por tudo o que passaria até chegar aos 33, certamente não mudaria nada do que vivi, faria tudo do mesmo jeito... E seria (como sou) feliz!!! por ter chegado aos 33 permitindo que meu cabelo seja livre... me permitindo, finalmente, ser quem SOU.



23 de março de 2018
Valquiria Rigon Volpato


Um comentário:

  1. Texto lindo que me trouxe preciosas reflexões. Identifico-me demais e, aos 27 anos, resolvi deixar meu cabelo ser o que é. Vejo que, por fim, não se trata realmente de uma liberdade estética, mas de personalidade e autoestima! Amei muito!

    ResponderExcluir