Domingo de manhã a gente acorda cedo pra ir à igreja. Vamos todos no fusca 1973 do papai. Legal é que quando abro os olhos, ela já está na cozinha esperando pra pegar carona, ela faz questão de ir à igreja, cantar aquilo que sabe de cor e ler o que aprendeu, quase sozinha, num orgulho danado de saber o que está escrito nos livros que usamos na missa. Na igreja o lugar dela é certo: cantinho do segundo banco à direita! É lugar cativo, tanto que ninguém se senta ali e quando um visitante comete essa “gafe”, logo alguém avisa: “não senta aí, não, porque esse lugar é da Dona Zelinda”.
Quando termina a oração, ela sai, fica ali na porta da igreja cumprimentando os amigos, vizinhos, contando histórias. Eu me aproximo, ela me abraça forte e convida para tomar café com ela, sempre me seduzindo com a frase: “o pão tá quentinho, fiz agora de manhã”. A gente entra no fusca, papai nos deixa na casa dela, e vamos nós pro café com pão de casa e manteiga derretida. Não demora muito e a família começa a se reunir, chegam tios, primos, amigos e a cozinha vai ficando pequena pra acolher tanta gente; a conversa se expande e só é interrompida pelos risos e brincadeiras; pouco a pouco, o cheiro do café vai sendo substituído pelo da “minestra” feita com macarrão de casa, coisa que ela faz questão de fazer. Gosto de ajudar ela a abrir a massa do macarrão – antes era no rolo de madeira, agora tem o “cilindro” fixado à mesa. Que modernidade! – passar fubá pra não grudar e, enquanto isso, sentir aquele cheiro bom de família reunida. O almoço não pode demorar, ela gosta de servir antes do meio dia; coloca as panelas e travessas sobre a mesa, logo a fila se forma e cada um acha um canto da casa pra apoiar o prato. Silêncio. Único momento em que todos ficam quietos é quando estão comendo!
Nem bem termina o almoço já tem água fervendo pra fazer mais café. Um lava a louça, outro vai secando com o pano de prato, guardando aquele monte de vasilhas, eu costumo varrer o chão da cozinha e passar pano, porque ela é exigente com limpeza, não gosta de gordura e água no chão. Tudo arrumadinho e limpo, a gente vai pra varanda – da frente ou da sala – ela deita, escora a cabeça com o antebraço e mão esquerda. Novamente, a família reunida pra continuar o bate papo após o almoço. Deito ao lado dela e fico olhando o céu; as nuvens passam por detrás do Itabira e fico naquele conflito bobo, imaginário, infantil, fantasiando a velocidade em que a Terra gira.
Faz dez anos da última vez que a vi. Dez anos do pão, do café, das conversas, da carona de fusca para ir à missa; acho que hoje sei, não em números, mas em sensações o quão rápido a Terra gira... Não consigo falar dela no passado, porque não é lá que ela está, ela está aqui junto de toda a história a ser lembrada, no amor imenso que sempre demonstrou por todos e nas sementes desses mesmo amor que deixou plantada em nós. Esse não é um texto sobre saudade, é sobre ser e estar presente; vó Zelinda, PRESENTE!
"...as nuvens passam por detrás do Itabira e fico naquele conflito bobo, imaginário, infantil, fantasiando a velocidade em que a Terra gira" |