"Em beiras de ruas de chão batido, enfileirados desenham escadas humanas, pequenas vidas severinas de severidades que se aproximam, vão no vão de seus anseios desejar o mínimo – arroz, feijão – a fome, se vai embora, deixa solidão; ela é constante companhia. Dói o estômago vazio, dói mais o pouco raciocínio de quem, tendo a chance, não resolve problemas, apenas fomenta a confusão."
Sustento mesmo vem do xique-xique, que ensopado em choro, mantém o corpo de pé: levanta cedo, vai pra lida, ergue a cabeça, sobrevive e volta pra dormir. Em casa, a noite soturna encobre os pedintes olhares, melhor assim – deixar acreditar que, quando os olhos não podem ver, o coração finge se enganar. Chique mesmo são os champanhes e canapés, os brindes com rapés, essas plantas que não nascem no sertão – compradas a preços altos, pagas em cartão, dinheiro que desce pelo ralo, diferente da água que não irriga mais o chão.
Esperança é item raro, anda caro no mercado da ilusão, parece chuva anunciada quando o amontoado de cirros mancham o azul do céu; expectativa – essa sim! – se cria tal qual erva daninha que sufoca a plantação. Mil léguas em pés descalços, enfrentando os percalços na certeza de resistir – mais a frente ainda tem poço d’onde vem o pouco pra beber – lata d’água na cabeça e fé – fita o caminho, porque mesmo sozinho, não se pode desistir.
Tem sertão por aí que não é no nordeste, mas que vai de leste a oeste, norte, sul, sudeste, tem escassez no homem, seca atroz dentro de nós – o homem bicho, carcará que pega, mata e come, nem sempre pra matar a fome, numa batalha desleal de exaltação do próprio nome. No entanto, na aragem do coração sertanejo o solo é fértil, a semente do amor germina forte, porque, para quem não foge à luta, nunca será sorte, sempre será coragem!
(Cachoeiro de Itapemirim - ES, 29 de setembro de 2021
Valquiria Rigon Volpato)
Nenhum comentário:
Postar um comentário