Hoje faço a mala. Amanhã viajo para a Bahia.


...amanhã viajo para a Bahia numa daquelas viagens que costumo fazer ao menos uma vez por ano; a preferência é por praia – tenho cometido o pecado de não ver o mar aqui no Espírito Santo. Lamentável. Eu sei. Ontem à noite, na tentativa de adiantar as coisas, lavei a roupa e fiz as unhas, usei esmalte vermelho e até que ficou bom, mas a busca por uma inexistente perfeição me fez enxergar tantos defeitos que esse “até que ficou bom” está ecoando na cabeça como um “vamos tirar isso e fazer de novo”. Saí pela manhã e deixei a roupa limpa no varal, não secou durante a noite – essa é uma saudade que prevejo ter quando os dias de inverno chegarem.

É tão comum dizer sobre o tempo e a forma como passa rápido – a viagem para a Bahia está prevista há quase um ano e já é amanhã – a gente fala, entretanto, percebe mesmo que o tempo passa quando a vida não existe mais. Hoje acordei num misto de sentimentos, certamente, acentuados pelos hormônios em ebulição do período menstrual, contudo independente da tônica, há cinco meses se repete a mesma lembrança seguida de um silêncio ensurdecedor – vazio.

Era Domingo de manhã, havia café fresco e alguns planos “gourmetizados” de comer tilápia e tomar vinho branco no almoço – não que eu soubesse cozinhar o peixe, minha especialidade é escolher o vinho na prateleira do supermercado – parecia um dia tão igual a outros tantos. Cinco minutos depois, o cardápio de um Domingo comum deu lugar a angústia de te ver mal; achei que conseguiria te acalmar se me sentasse ao seu lado no sofá e segurasse sua mão – assim como você fez comigo a vida inteira –, mas não foi suficiente. O rosto pálido. Dor. Trinta minutos foi o tempo que a ambulância demorou para chegar, senti alívio por ter alguém ali que pudesse, além de segurar sua mão, fazer aquietar as mazelas do corpo.

O tempo passou tão rápido... À noite te encontrei no pronto socorro da Santa Casa com minha mala a postos imaginando que teríamos, como em outras vezes, um pernoite naquelas acomodações. Não demorou muito um dos médicos plantonistas veio ao nosso encontro para informar a necessidade de uma cirurgia de emergência – sempre soube que você não gostava de hospitais, remédios industrializados e, de repente, uma intervenção cirúrgica – mas, ainda assim, te disse: “quem sabe esse é o caminho para diminuir suas dores?”.

Enfermeiras vieram, abandonei as malas, segui a maca por corredores desconhecidos até a última porta, disseram que ali era meu limite e, então, uma delas parou, olhou para mim e deu a ordem: “Pede a benção para sua mãe”. Diferente de agora, segurei o choro para não te preocupar, e num diálogo simples: “Bença, mãe, também te abençoo. Te amo”. Sorrindo, você disse que me amava também. E, desde então, é silêncio...

Hoje vou fazer as malas – da mesma forma que naquela noite – embarco amanhã para a Bahia, quando chegar em casa vou recolher a roupa que deixei no varal; quando chegar em casa tudo estará do mesmo jeito, até porque, mãe, você não está mais lá. É provável que eu não pinte as unhas de novo.




Valquiria Rigon Volpato,
20 de março de 2025.

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