"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

terça-feira, 28 de abril de 2015

Infelizmente, apenas discursos


A gente acaba se cansando dos discursos amargurados, desanimados, fatigados daqueles que, dia a dia, lutam para ser diferentes, mas terminam não conseguindo. Não se trata de um não conseguir movido pela inexistência da tentativa; não. Trata-se do não conseguir de origem externa, da dificuldade desumana de buscar vencer obstáculos e, pateticamente, ficar estagnado, como se força alguma tivesse sido feita.

Discursos cansados, tentativas frustradas, esgotamento. Resta o olhar perdido, pairando sobre o desalento, sobre a materialização do desrespeito, da pouca colaboração, da desunião social. Perecebe-se, nitidamente, a concretização do individualismo frio, insensível às misérias coletivas.

Textos abstratos, tais como este, cavucam no fundo do peito uma dor, uma saudade; saudade de incentivar a guerra contra o descaso, de erguer a voz ante o silêncio insoso de muitos... saudade de relatar fatos e não simplesmente angústias e desgostos.

A gente acaba cansando dos discursos azedos. Canso-me dos meus também. É um atolar-se na movediça areia das desiluções e não adianta o movimento, porque quanto mais se debate, mais se afunda. Talvez o medo do sufocamento explique tanta inércia, contudo é dramático constatar que a única diferença entre os que se movimentam e os que permanecem inertes é o tempo que os conduzem ao mesmo fim: a morte.

Estão morrendo sonhos! Construção frasal utópica; clichê. Não há interesse gramatical na distribuição de palavras tão bestas. Sonhos mortos... Ah, que enfadonho! Onde está a novidade? Prisioneiros da regra de não se render às pormenoridades, uma espécie de obrigação contraída pelo “renascimento” social moderno, pelos modismos, pelas taxatividades e imposições alheias, vivem isolados mesmo em grupo. Comportamento atípico, mas que alcança patamares de normalidade; inversão.

Excetos passam à regras e regras à exceção. A ordem parece ser o desgoverno, a impunibilidade, enquanto perseguir o certo (será mesmo que ainda é certo?) fica pintado como resistência ao sistema. Ante à revogação impositiva da norma social vigente, tal como folha solta ao sabor do vento, vão-se as esperanças de mudança, expectativas de melhora... É, literalmente, findar um texto com reticências...

(Valquiria Rigon Volpato
28 de abril de 2015)

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