Vila
do Cachoeiro de Itapemirim – ES,
25
de março de 1867.
Querido
amigo,
Os
anos estão passando depressa, já não me recordo da última vez que
estive contigo, espero que a distância em nada tenha abalado nossa
amizade. Tenho novidades para contar e dividir contigo sempre foi uma
de minhas grandes alegrias, bem sabes disso. Sinto que a vida está
mudando por aqui... A Freguesia de São Pedro do Cachoeiro de
Itapemirim agora é Vila do Cachoeiro de Itapemirim, isso significa
que estamos crescendo, não é mesmo? Quem poderia imaginar que o
pequenino povoado arraigado às margens do Rio Itapemirim viesse a
ganhar novos contornos? Tenho refletido sobre os fatos e, apesar de
não ser comum ou valorizado que uma moça se impressione com algo
mais que não sejam os afazeres cotidianos, de ti jamais escondi meu
interesse por assuntos políticos. Entre nós nunca houve segredos!
Esta
terra, recentemente descoberta, um modesto povoado crescido junto às
“caxoeiras” do rio, cachoeiras que passariam a ser “caxoeiros”
do Itapemirim, continua seu caminho de mudanças rumo ao futuro.
Poucos sabem exatamente o que está se passando, mas não os culpo;
em grande parte é gente simples, que ainda carrega consigo as marcas
da colonização, da escravidão... Claro que isso também irá
mudar, mas será necessário tempo, o tempo transformador de fatos e
gerações.
Em
minhas reflexões, tento imaginar como chegamos até os dias atuais e
concluo que nada mais aconteceu além daquilo que a ação humana
provocou. Quando, em 1812, Francisco Alberto Rubim, donatário da
capitania do Espírito Santo, recebeu a missão de promover o
povoamento deste lugar, foi dado o primeiro passo que, naturalmente,
jamais teria volta. A região era dominada pelos índios, Puris e
Botocudos, mas que não foram obstáculos para a gana exploradora dos
mineradores em busca do ouro recém-descoberto, para quem desejava
cultivar lavouras próximas ao encachoeiramento do rio ou para
aqueles que viam, neste espaço, possibilidade de se fixar.
Alguns
fazendeiros de Itapemirim, com vistas a estender a amplitude de suas
terras, aproveitaram o início do desbravamento para dominarem as
margens do rio. O senhor Joaquim Marcelino da Silva Lima, o Barão de
Itapemirim, foi um destes... Deteve, por anos, toda extensão da
margem direita do rio. Éramos, apesar de tudo, um povoado perdido,
banhado pelas águas do Itapemirim... Então vieram os anos 50...
1850! Os primeiros moradores, o comércio, a iluminação, os
correios... À medida que as necessidades humanas surgiam, as
“modernidades” também chegavam; inevitável.
Pois
bem, amigo, hoje, 25 de março de 1867, de modo especial, resolvi lhe
escrever, porque sinto que esta data ficará para a história:
instalou-se a Câmara Municipal desta Vila do Cachoeiro de
Itapemirim! Recebemos o direito de viver sob nossas próprias regras,
com capacidade para deliberar! À sessão estiveram presentes os
senhores vereadores: Coronel Francisco Xavier Monteiro Nogueira da
Gama, Major Misael Ferreira de Paiva, Dr. Joaquim Antônio de
Oliveira Seabra, Capitão Francisco de Souza Monteiro, Capitão José
Vieira Machado, Capitão Pedro Dias do Padro e Dr. Antônio Olinto
Pinto Coelho.
Estou
certa de que esta data será lembrada como o dia em que a Vila do
Cachoeiro de Itapemirim foi emancipada politicamente. Nem todos sabem
o que isso quer dizer, sei disso, mas um dia entenderão o processo
pelo qual estamos passando. Repito: o povoado, perdido às margens do
rio, agora está autorizado a tomar suas próprias decisões
políticas. Emancipar-se é estar livre de qualquer tutela, livre
para administrar, para decidir... E, por isso, prevejo que esta data
será lembrada com grande importância e honrarias. Em tempos
vindouros, nossa gente irá se reunir para aclamar a emancipação,
prestar homenagens e rememorar este dia.
Gostaria
de poder participar de tudo o que ainda está por vir em termos de
progresso e acontecimentos históricos, todavia compreendo que cada
um de nós tem seu tempo para existir e sua parcela a contribuir.
Imagino como será a Vila, futura cidade... Quantas pontes se
estenderão sobre o rio, quantas casas espalhadas por todos os
cantos, quantos seremos! Quem seremos nós daqui, quem sabe, 150
anos?!
Hoje,
enquanto caminhava pelas ruas, reparei firmemente nas águas do rio e
nelas vi refletir, como sentinela, o Itabira, preenchi-me ainda mais
de afeto por este lugar, pelo privilégio que é viver circunscrita
pela natureza. Gosto de ser bairrista; não é ofensa, é carinho!
Ainda leremos bons textos sobre o que lhe disse agora... Alguém,
muito orgulhoso, um dia dirá a São Pedro, quando às portas do céu
estiver: “Eu sou lá de Cachoeiro”! E outro, em sofreguidão por
todas as mazelas cotidianas, será capaz de afirmar: “sensibilidade
que é uma antena delicadíssima, captando pedaços de todas as dores
do mundo, e que me fará morrer de dores que não são minhas”.
Por
isso, valioso amigo, espero que um dia, em praça pública, o povo
celebre a emancipação política e, sobremaneira, celebre a
consciência de seus direitos e deveres. Espero que saibamos conduzir
com sabedoria o destino de nossa Cachoeiro, preocupados sim com o
progresso material, contudo ainda mais atentos ao progresso humano...
Porque é com gente que se constrói... Alvenarias e também o
futuro.
Quero
ter notícias suas, escreva-me quando puder e conte como estão as
coisas por aí. Não deixarei de lhe dizer a quantas anda a Vila do
Cachoeiro, mas exijo que me digas como é viver aí... em 2017! Leve
meu abraço a todos, compartilhe com tantos quantos puder minha
alegria por ter vivido este momento e não se esqueça, nunca, do
nosso “pequeno Cachoeiro”.
Saudações
afetuosas desta sua,
amiga
cachoeirense!
Valquiria Rigon Volpato
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