"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Falando a verdade

No último Domingo, exercitando o “moderno” hábito de “navegar” pelas redes sociais, encontrei o perfil de Fernanda De La Corte, no Instagram. Num primeiro momento, chamou minha atenção a foto em que Fernanda mostrava o sorriso de um lado e o choro do outro; li sua postagem, curiosa para entender o que havia. Minutos depois, tornei-me sua “seguidora” e então lia seus posts com maior avidez.

A moça, tão bonita, descreveu em sua bio, estar em tratamento para superar a bulimia, o comer seguido da necessidade do vômito e a compulsão por comida; um choque acompanhado de solidariedade e dor invadiram meu coração. Não sei quem é Fernanda, não frequento sua casa, nunca tomei um café com ela, não tive a oportunidade da conversa, das saídas e quem sabe até de ter sido sua vizinha e ter brincado com ela na infância. Nada disso. Não sei quem é Fernanda, mas, de alguma forma, senti sua dor, a angústia permeada pela culpa, o medo escorado no desespero e as inúmeras tentativas de fuga; fugir dali, fugir de si.

Quem a vê sorrindo não imagina o quão intensa pode ser sua dor. Sorrisos têm mascarado muitas dores e redes sociais tornaram-se repositórios da felicidade construída, arquitetada. Antes as fotografias não permitiam prévia, a impressão seria feita de qualquer forma, da maneira que estivesse, pois ali estavam registros do momento, não se tratava da perfeição fotogênica para impressionar determinado público na internet, mas sim de impressionar a si mesmo quando revendo aquela pose esquisita ou aquele sorriso torto, lembrava-se da emoção de ter vivido. Danos gravíssimos ocorrem em virtude da ostentação do perfeito, do belo. Existem? Um sorriso tem escondido dramas inimagináveis e, embora pareça estar tudo bem, não, não está.

Admirar contextos produzidos (e invejá-los) virou mania, moda, alvo do desejo daqueles que consomem o artificial. Insatisfações inundam vidas e afogam esperanças, destroem o ímpar, o único. Quem deseja ser o que é quando se pode ser o outro? Barrigas trincadas, cabelos irretocáveis, peles viçosas, tudo isso acompanhado do ter, do status. A vida de verdade acontece longe das câmeras, escondida dos olhares vorazes, famintos pelas mentiras contadas nas redes sociais. A verdadeira vida acontece nos choros da madrugada, nas imperfeições, na insegurança, na frustração de não ser, de não ter e na “obrigação” de mostrar.

Quantas vezes “Fernandas” se olharam no espelho e, simplesmente, não se enxergaram? Quantas vezes “Fernandas” quiseram desaparecer (morrer) por não se aceitarem? Quantas vezes “Fernandas” sorriram para não chorar, mascararam sofrimentos, pintaram seus rostos e após incontáveis selfies exibiram seus sorrisos nas redes sociais? Não há nada de feliz e engraçado nisso; o que há é o reconhecimento da luta alheia. Avalanches de cobranças estão oprimindo identidades. Primeiro as cobranças alheias, depois aquelas feitas de si para si, massacram quem já não se reconhece mais, quem se vê, mas não se enxerga. Estamos preocupados com isso?… Rotineiramente, esbarramos em dores, caminhando pelas calçadas, convivemos com elas, sem sequer saber que existem.

Não deixarei de seguir Fernanda De La Corte, não deixarei de torcer por ela, tão pouco de ser solidária à sua trajetória. O perfil que conheci no Instagram contou a verdade… não a perfeição. Se um dia me sentar para tomar um café com Fernanda, antes, porém, direi: “Vença, moça! Supere!”… E, provavelmente, em seus olhos verei, sem disfarces, a mais cristalina verdade.


13 de novembro de 2017.
Valquiria Rigon Volpato

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