Aos onze anos, véspera de Natal, estava na casa de minha avó materna – vovó Zelinda – quando fui ao banheiro e percebi o tom mais avermelhado do xixi na louça branca do vaso sanitário. Desconfiada do que poderia ser, falei com minha mãe e avó sobre o ocorrido e, então, veio a sentença: “virou mocinha!”. Meu primeiro absorvente foi um paninho dobrado algumas vezes repousado sobre a calcinha – sem qualquer aderência ou forma de fazê-lo ficar preso ali. Em seguida, conheci os absorventes industrializados, notei que a cobertura suave é mais adequada à minha pele por não me causar tanta irritação, porém admito: a relação mensal com a menstruação nunca foi algo fácil, seja pelos episódios de dores, prisão de ventre, inchaços, desconforto, medo de sujar a roupa - calça branca nem pensar - ou oscilações emocionais.
Naquela noite, após o treino, passei em uma farmácia localizada na Praça Pedro Cuevas Júnior – a praça recebeu esse nome fazendo alusão a Pedro, que em 1936 fora Presidente da Câmara de Vereadores de Cachoeiro – para comprar absorventes. Entre um corredor e outro, um pensamento e outro, acessei a prateleira desejada; peguei dois pacotes de costume e segundos antes de ir em direção ao caixa me deparei com uma prateleira repleta de coletores menstruais e calcinhas absorventes. Como boa capricorniana, já havia lido a respeito, mas ainda não tinha visto os tais coletores pessoalmente; tê-los na prateleira despertou curiosidade, comecei a verificar os modelos, ler instruções de uso, ver diferenças entre marcas, tamanhos... Guardei os pacotes em seus lugares e liberei as mãos para tocar e continuar minha imersão no mundo dos coletores menstruais.
Alguma coisa entre trinta ou quarenta minutos depois me convenci a comprar um coletor menstrual – me convenci com alguma insegurança, com medo de desperdiçar R$ 89,90 por não saber ou conseguir usar. Apanhei aquele objeto da prateleira e fui para o caixa, deixando os pacotes de absorventes para trás, na tentativa de me forçar ao uso. Se eu vencesse algumas barreiras – como o toque no próprio corpo e a impressão, curiosamente, negativa sobre o sangue menstrual – e encontrasse a forma correta de utilizar o coletor, economizaria muito a longo prazo e ainda daria minha contribuição para o meio ambiente. Seria perfeito!
Em casa, depois de tomar os cuidados recomendados na embalagem, passei ao que seria o mais desafiador: o encontro íntimo comigo. Com tutorial encontrado no Youtube e determinação, passei uns quinze minutos para conseguir encaixar o coletor no lugar certo, mas funcionou! Uma alegria imensa tomou conta de mim ao perceber que havia conseguido e o melhor, não incomodava nem um pouquinho, dispensava os absorventes tradicionais e me mantinha limpinha. Era o auge da alegria! Mas, nem tudo são flores e chegou o momento de retirar o coletor. Instruções, vídeos e por fim as tentativas, infelizmente, sem sucesso. Aperta daqui, puxa dali e nada! Bastante tempo depois, angustiada, porém sem desistir, consegui remover; com medo de inserir novamente, mas ainda tentando, tive duas emoções: a alegria por aprender a colocar e a tristeza por não saber remover.
No ciclo menstrual seguinte, por não ter tido a melhor experiência de remoção do coletor, resolvi voltar ao absorvente comum. Pitadas de frustração temperaram aquele mês. O tempo passou e com a chegada de mais um ciclo considerei voltar a usar o coletor – se foi feito para isso, por que comigo não iria funcionar?
Entre o “virou mocinha” e os dias atuais se passaram vinte e sete anos, mais de trezentos ciclos menstruais, três mil absorventes, uma média de impressionantes R$ 30.000,00 gastos e sabe-se lá Deus quanta poluição ambiental isso causou. Não sou muito boa em matemática, os números que citei são apenas aproximações, no entanto faz pensar sobre como é importante se permitir conhecer – a si mesmo – e novas tecnologias capazes de tornar tudo mais sustentável. O relacionamento com o próprio corpo e com a menstruação, infelizmente, não é tão tranquilo; as barreiras estruturais de uma sociedade conservadora, machista e misógina recaem de muitas maneiras sobre as mulheres e é preciso um ato de coragem para mudar e entender que o corpo feminino não é uma prisão.
Uma coisa é certa: que bom que não desisti de usar o coletor menstrual! As tentativas anteriores me ensinaram o que não daria certo e me forçaram a buscar novos caminhos; encontrei meus contornos, desenvolvi minhas técnicas e hoje as dificuldades anteriores não existem mais. Depois de tantos anos, pela primeira vez não precisei ir à farmácia comprar absorventes, porque o coletor menstrual é o bastante para conter o fluxo – que muda aspecto, de cheiro e de cor. Agradeço à Valquiria desanimada daquela noite por ter se permitido conhecer mais, ler mais, aprender mais, pois foi esse ato de amor e coragem que fez a Valquiria de hoje se tornar mais independente, livre e consciente.
Valquiria Rigon Volpato
24 de agosto de 2024
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