RE-TALHOS
Ter o universo dentro de si nem sempre é fácil — quase nunca é. Organizar as ideias até reduzi-las a algumas linhas remete-me ao parto — embora eu tenha decidido não parir; talvez seja, justamente, pelo nascimento dos textos que coloco no mundo, a opção sincera de maternar palavras e não seres humanos.
Ontem, ao sair do escritório e caminhar pelas ruas do Centro, por volta das 18h, percebi os faróis dos carros passando, ansiosos para chegar — onde? — e pessoas, muitas delas em pontos de ônibus ou apenas serpenteando entre obstáculos nas calçadas, todas indo ao encontro de lugares ou de outras pessoas. Mas será que ao encontro de si mesmas?
A oportunidade de caminhar provoca em mim efervescência — como a água no copo quando misturada ao Sal de Frutas Eno, o remédio que sempre me era oferecido em casa como tratamento para poliqueixas.
Perceber a cidade em tempos de ostentação tóxica e de correria entre os afazeres diários se enquadra na lista de coisas a serem feitas nas horas vagas, infelizmente. Cachoeiro é um lugar em que gosto de estar, e isso não me isenta de tecer críticas; tantas vezes escrevi sobre o lixo deixado às margens de rodovias, o mesmo lixo que, atualmente, compete com a paisagem da matinha que liga o São Luiz Gonzaga ao Itabira. É possível erguer uma casa inteira com restos de sofás, colchões, televisão, máquina de lavar, vaso sanitário... E se, só hoje, a gente tentasse não “resolver” o problema do lixo tirando-o de casa e levando-o para as ruas, jogando onde os olhos dos donos não veem? E se, só hoje, a gente fizesse a coisa certa?
Entre uma passada e outra, a vida acontece. Vou queimando uma caloria aqui, um neurônio ali, buscando entender se deveria simplesmente não prestar atenção. Fato é que estar viva e ter consciência disso provoca em mim intensas reflexões. Sinto transbordar o desejo de resolver, embora reconheça minhas limitações. Não quero esgarçar a vida ao ponto de fazê-la romper; ser beija-flor com o bico cheio d’água e ir ao encontro do incêndio na floresta — ser apenas um ou ser mais um? As fatias do bolo do poder, recheadas com individualismo e cobertas por uma espessa camada de indiferença, fazem com que, em pleno voo, eu repense a trajetória... Beija-flor, bico, água, floresta, incêndio: incendeio! Sinto queimar e temo que, ao me tornar soldado, vire cinzas.
Com certeza este não é o melhor texto escrito por mim, tampouco o de que mais gostei. A palavra “ter” foi eleita a primeira do parágrafo inaugural em 14 de abril de 2025. De lá para cá, foram cinco meses de pedaços emendados com alinhavos de emoções, sentidas todas as vezes que recomecei a escrever. Não gosto; é como se não fizesse sentido... Embora os fragmentos também sejam partes de mim.
Valquiria Rigon Volpato
14 de abril e 24 de setembro de 2025

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