"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Cem anos com e sem Rubem Braga

Cem anos se passaram e “parece que foi ontem”, como uma vez disse Sérgio Garschagen, que às “laranjeiras” apareceu o Sabiá... Em 12 de janeiro de 1913 nascia, de Cachoeiro de Itapemirim para o mundo, Rubem Braga, considerado o melhor cronista do Brasil, que despertou encanto por ser único (como somente ele era) na arte de transformar o cotidiano em história poética, um verdadeiro lirismo no dia a dia, fazendo com que até a tristeza, por mais triste que estivesse, convertesse-se em ternura, num gesto de reconhecimento ao talento de quem, com maestria, brincava de escrever. “Eis o segredo de Rubem Braga: o de pôr nas suas crônicas a inefável poesia que Deus lhe deu” (Manuel Bandeira).

Rubem Braga é aquele tipo de cidadão universal. Em sua biografia acumula feitos que atravessaram oceanos. O cachoeirense, nascido na casa, a Casa dos Braga, na Rua Vinte e Cinco de Março, saiu de sua cidade ainda jovem, no entanto jamais a deixou para trás. Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Minas Gerais, Itália, França... O menino da Capital Secreta revelou-se para muitos, tornou-se conhecido e reconhecido por sua extrema qualidade textual e também por ser um “turrão” de humor apurado, de pensamentos tão seus e intimidade para poucos revelada. “Seguramente o mais subjetivo e o mais lírico dos cronistas brasileiros. A marca registrada dos textos de Rubem Braga é a crônica poética, na qual alia um estilo próprio a um intenso lirismo, provocado pelos acontecimentos cotidianos, pelas paisagens, pelos estados de alma, pelas pessoas, pela natureza.” (Afrânio Coutinho). 

De fato, pessoas como Rubem Braga não nascem todos os dias. O que havia em seu interior era singelo e por isso lindo, indiscutivelmente. “Talvez não existam na literatura de Rubem as melhores crônicas, mas as necessárias, aquelas que melhor exprimem seu temperamento de homem e de artista. Poderiam ser 100, 200 ou 500, e sempre teríamos de Rubem antologias modelares, para crescer como ser humano, para saber mais sobre a nossa gente, para saber mais sobre o Brasil, com nosso jeito e nosso gosto – uma identificação de alma, diria o cronista.” (André Seffrin).

O Sabiá da crônica, como ficou conhecido o eterno Rubem, torna-se centenário e sua existência merece celebração. Cachoeiro de Itapemirim, berço incontestável de artistas ímpares, como o são Rubem Braga, Newton Braga, Roberto Carlos, Raul Sampaio e tantos outros, tem o dever de render homenagens a seus mais ilustres filhos, aqueles que, mesmo distantes, jamais tiram de si o bairrismo característico do cachoeirense: “Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa: Eu sou lá de Cachoeiro”. (Rubem Braga). 

Na canção “Eu e o Sabiá”, o pedido é simples: “Ai quem me dera Sábia, também ter asas pra voar. E ver do alto a natureza, perceber toda beleza, a razão do teu cantar”. Rubem Braga nasceu com asas, voou o mais alto que pôde, contemplou a natureza, percebeu e sentiu toda a beleza, a mais pura que poderia existir; tornou-se fazendeiro, o mais legítimo fazendeiro do ar... Pelos cem anos da “aparição” de Rubem Braga, alegria sem fim, que invade o coração e enche de orgulho quem, como ele, pode bater no peito para dizer: “Eu sou lá de Cachoeiro”.

(Valquiria Rigon Volpato - Advogada e Escritora)

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