Nos telhados de Ilze Scamparini

"Crônica sobre infância, imaginação e viagens que começam antes do passaporte"...


Entre as memórias de infância estão aquelas em que, segurando o microfone – uma pequena vareta de antena de televisão com uma bolinha de espuma velha de algum colchão na ponta –, a repórter internacional, espécie de Ilze Scamparini mirim, noticiava fatos, viajando em mirabolantes pensamentos por lugares do mundo inteiro. Às vezes de pé nalguma pedra ou às margens da lagoa onde se criavam os peixes, as aparições da repórter se davam nesses ambientes que em nada ficavam devendo aos charmosos telhados italianos de Ilze.

A correspondente, à época com seis anos, passeava por aeroportos observando as multidões, a reboque era conduzida pela imaginação e a pergunta constante: “para onde estão indo?”. Verdade mesmo é que, apesar de viajar tanto, nossa pequena cover de Ilze Scamparini jamais deixou as fronteiras de sua terra natal, Taquarinha; suas jornadas pelo mundo aconteciam dentro dela, reproduzindo notícias que ouvira no dia anterior no Jornal Nacional e partilhava com seu pai – sentados no antigo sofá em courino marrom escuro, debatiam assuntos sobre a guerra no Oriente Médio e as cotações do dólar, orgulhando-se de quando o real brasileiro equiparava-se ao dinheiro norte americano.

Cumpridor de seu papel, o tempo é tecelão da vida, com passagem só de ida, viajar pelo tempo, nem sempre, dá o direito de sentar-se ao lado da janela – onde tantos querem estar, porém, nem sempre, compreendem a responsabilidade de estar naquele lugar. Uma pausa para refletir sobre esse “sentar-se à janela”. A pequena dublê de Ilze, aos seis anos, não imaginaria, mas no futuro iria se comprometer em dar janelas aos que não a tinham. Ao deixar Taquarinha, nossa repórter faria seu primeiro contato com o mundo além de si, os caminhos percorridos, hoje, dão a ideia de que foram vividos em velocidade, como a Alfa Romeo de Juan Manuel Fangio cruzando, quase invisível, o circuito de Monza, na Itália, ou como o inesquecível Ayrton Senna – do Brasil – em sua McLaren em Spa-Francorchamps, na Bélgica.

Na última semana, durante mais uma de suas viagens pelo Brasil, em meio a caminhada pelos corredores do Shopping Cataratas JL, em Foz do Iguaçu, deparou-se com um desses quiosques de café, porém árabe; vitrines enfeitadas com doces lindíssimos e uma proposta: “gostaria de experimentar o café turco?”. Sem titubear, entre as ofertas, escolheu aquele com sabor e aroma de cardamomo – a fervura viria do contato com a areia altamente aquecida, enquanto o pó, suavemente, decantaria dentro do vasilhame. Na bandeja dourada com detalhes arabescos, uma fatia de Halawi – doce de gergelim –, anunciava a próxima viagem, do Paraná ao Oriente Médio: na boca, um pedaço de Halawi mergulhado numa dose daquele café despertava o paladar em sensações tão ímpares como os estranhos de Carlos Drummond de Andrade.

Do escritório em Cachoeiro de Itapemirim, Valquiria Volpato para o Jornal Nacional. Bonner, é com você.



03 de junho de 2025
Valquiria Rigon Volpato.

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