"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Que será de mim?


Que será de mim, pássaro que quer voar sem asas? Imensidão de céu azul, algumas nuvens e aquela sensação de liberdade... Que liberdade? É que fico assim, que sou assim, uma captura da matéria, um peso, um preso, um corpo; é que sou assim, pensamento, mente em devaneio, soltura. Sou contradição entre aquilo que me prende e o que me liberta. E sofro. E quero. E insisto. E persisto. E fraquejo. E desisto. E morro em mim... Sofrimento besta, pequeno demais para o tamanho dessas minhas asas atrofiadas. Mas o que dizer e o que fazer? Ter asas e não saber (poder) voar? Desperdício é ter e não ter. Que infortúnio! Respiro fundo, preencho os pulmões, prendo aquele ar e tento embriagar-me dele, sei que em breve também irei perdê-lo, assim como todo o resto. Perdi. Não me recordo de ter ganhado alguma vez. O que tenho é aquilo que fui encontrando pelo caminho; coisas que outros não quiseram; partes, restos. Colhi o lixo deixado às margens da vida e pensei que, com jeitinho, poderia reciclá-lo e fazê-lo meu, finalmente algo meu, mas que triste ilusão... Que bobo esse pássaro deficiente! Das sobras as sobras, nada de nada, um pouco de tudo e no fim aquela criação disforme, torta, feiosa. Cadê aquilo que deveria ser meu? É isso? É só isso? Tão pouco... Sei que me impus limites muito próximos e que foi por medo de arriscar que nunca soube se um dia poderia ganhar. Na verdade, havia aquela esperança, bobinha, inocente, mas tão e tão medrosa que de tudo se escondia. Não era preciso um baile à fantasia para usar máscaras, pois fazia questão de sempre usá-las. Não sabia mais o que era face e o que era disfarce, talvez até achasse que o falso era o verdadeiro... Força do hábito, aquele hábito ruim de me fazer menor, assim como os vãos da janela, aquelas grades que recortam a noite e emolduram luzes distantes, fazendo também daquilo uma espécie de quadro, pequenos quadros que pendurei junto às lembranças que ainda restam. Fosse há outros tempos as telas me fariam companhia; tintas e cores, pincéis e novas cenas. Pronto! Vida nova em dois tempos! Aquele frescor me faz falta e por vezes desejei tanto e tanto tê-lo de volta que lá, bem longe, cheguei a crer que o tinha reencontrado. Bobagem. Passou. Óleo sobre tela, luzes pela janela; um quadro. Nem era real. Perdi a seqüência dos atos e minha peça deixou de fazer sentido. Vi que um a um meus espectadores se levantavam, saíam e meu teatro ficou vazio. Não havia mais ninguém para assistir à minha composição. Vida! Assim chamava-se minha peça, escrita, estrelada e assistida por mim... Isso porque decidi que deveria ficar. Afinal de contas, como seria minha Vida sem mim?


Valquiria Rigon Volpato
16 de fevereiro de 2012



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