"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Place de Grève


Em Paris, na França, a Place de Grève, localizada nas proximidades do Rio Sena, era onde operários reuniam-se, diariamente, paralisando seus serviços, para reivindicar melhores condições de trabalho. Foi do termo francês grève, que significa “terreno plano composto de cascalho ou areia à margem do mar ou do rio”, que surgiu a expressão, agora aportuguesada, greve.

No Brasil o Código Penal e também a Constituição de 1937 proibiam a greve e o chamado lockout (que é a greve no sentindo inverso, isto é, a paralisação das atividades por parte do empregador) uma vez que estes recursos eram considerados nocivos e antissociais. A própria CLT promulgada em 1943 estabelecia punição para o exercício da greve em seus artigos 723, 724 e 725. No entanto, em 1946, uma nova Constituição admitia a greve, revogava as normas impediditas e punitivas e ainda a reconhecia como direito do trabalhador.

Atualmente, a Constituição vigente no país desde 1988, abriga o direito de greve em seu artigo 9º, que está regulamentado pela Lei nº. 7.783/1989, a chamada Lei da Greve que, inclusive, proíbe a prática do lockout em território nacional. É nesta Lei que estão previstos todos os direcionamentos para que a greve não se torne abusiva, para que não exceda limites e assim não acabe por contrapor o fim a que se destina. Exemplo de greve abusiva configura-se pela total paralisação dos chamados serviços essenciais, que estão elencados no artigo 10 da Lei da Greve. São eles: I) tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II) assistência médica hospitalar; III) distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV) funerários; V) transporte coletivo; VI) captação e tratamento de esgoto e lixo; VII) telecomunicações; VIII) guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX) processamentos de dados ligados a serviços essenciais; X) controle de tráfego aéreo; e XI) compensação bancária.

No caso dos professores cachoeirenses, que iniciaram paralisação parcial dos serviços de educação, a notícia mais recente, é que o TJES acolheu pedido feito pelo município, para que a greve fosse declarada ilegal, ao menos em decisão liminar (que não põe fim ao processo judicial). A reivindicação desta classe de servidores pauta-se no recebimento dos reajustes de seus salários, que teria sido dado de maneira irregular, em índices diversos para a mesma categoria, o que fere o artigo 37, inciso X, da Constituição Federal.

A greve dos profissionais da educação já foi mais corriqueira, entretanto, não raro, no Brasil, se tem notícia deste tipo de movimento grevista, isto porque, mesmo com a menção feita no artigo 206 da Carta de 1988, afirmando que “haverá valorização dos profissionais da educação escolar [...] assegurado piso salarial profissional nacional [...] nos termos de lei federal”, muitos professores caminham lado a lado com a insatisfação salarial. O piso nacional fixado pela Lei 11.738/2008, por si, não serve para compensar estes profissionais que formam tantos outros profissionais.

O direito de greve, uma vez assegurado, deve ser exercido quando todas as negociações anteriores possíveis tenham sido esgotadas, isso porque, inevitavelmente, a paralisação causa prejuízos à sociedade civil.

É certo que o exercício de um direito sempre será saudável, pois acaba por afetar seus praticantes com cidadania e desejo de justiça. Hoje, Cachoeiro de Itapemirim experimenta o “sabor” da discussão dos professores em busca de melhores salários e, em que pese todas as manchetes, comentários maldosos e decisões judiciais já veiculadas, a greve dos professores cachoeirenses pode até ser considerada ilegal, como disse o Desembargador Relator do processo, doutor Carlos Simões Fonseca, mas, em momento algum, deixou de ser exercício de um direito constitucionalmente garantido. Guardadas as devidas proporções geográficas e culturais, caberia dizer: Paris é aqui...

(Valquiria Rigon Volpato - Advogada)

Nenhum comentário:

Postar um comentário