"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

E se...

...os carros desaparecessem, se as motos parassem de trafegar, se as sirenes parassem de tocar, se os sinais parassem de bater? Se as campanhinhas silenciassem, se os telefones não chamassem, se as músicas emudecessem, se as palavras se calassem, se peruinhas de som não mais andassem, se as buzinas desligassem? Se os liquidificadores estragassem, se as televisões queimassem, se os computadores pifassem, se tudo o que emite som parasse de funcionar, assim, de repente? Se até a respiração diminuísse, e os passos ficassem mais lentos, as piscadelas de olho em câmera lenta, e tudo ficasse mais quieto, mais brando, mais tímido, mais inocente...?

E se o que apenas se ouvisse fosse o canto dos pássaros, os estalarem das folhas sendo cortadas pelas formigas, as cigarras no canto pré-noturno, o sapo boi coordenando a sinfonia na lagoa, o bacurau repetindo “amanhã eu vou”, os cachorros do mato uivando para reunir o bando, um cavalo solto relinchando, um bem-te-vi desavisado cantarolando e as águas do rio balbuciando aquele xuá que rima com vida?

Ah, se assim fosse, no final do dia, um amarelo dourado nos contagiaria; aquele sol bonito partindo de mansinho, dando tchau ao dia, cumprimentando a noite e tudo quase emudecido, sem ruído...  Caminhando sobre a Ponte Municipal, uma brisa leve nos atingiria a face e pensaríamos de imediato: é chuva que vem vindo! “Não senhor”! Alguém diria (baixinho, que é para não incomodar o vizinho). “Esse sopro é o sopro das asas... das asas das garças”, esse alguém diria num sussurro. E elas (as garças) cheias de graça se lançariam sobre o Itapemirim. Escolhendo os melhores galhos, aos poucos fazendo das árvores seu particular condomínio, pitando de branco o marrom do rio, brincando de casinha até o dia amanhecer.

E se assim fosse, nos olharíamos nos olhos, pois teríamos parado de correr. Nosso olhar duraria e diria coisas tão sérias que não mais poderíamos esquecer. Então iríamos para casa, sem pressa, quase sem perceber; de banho tomado, dente escovado, hora de adormecer. Fim do dia... Olhos fechados... Silêncio redobrado... Sim, foi um prazer.
Se assim pudesse ser, gostaria que, novamente, sobre a ponte nos encontrássemos: você e eu...

(Valquiria Rigon Volpato - Advogada)

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