"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:"Eu sou lá de Cachoeiro..."

(Rubem Braga)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Quem é você?

Bom mesmo é que, atualmente, o status social está substituindo o ser. Deixamos de ter identificação própria e passamos a ser resultado de “indicações”. Uma espécie de interminável linha de referência, onde até a posse do eu está ameaçada.

A concepção no útero materno já nos torna alvos do que chamo “identificação referencial”. É simples. Imaginemos que, ao nascer, pudéssemos ser comparados a um grande pinheiro aguardando a decoração de Natal. Pouco a pouco os verdes galhos são recobertos por enfeites... Tantos e tantos que, ao final, nem se nota o pinheiro, mas apenas os adereços que a ele estão presos. Engraçado é que, se entrarmos numa casa e nos depararmos com um pinheiro decorado para o Natal, brilhante e imponente no canto sala, e alguém nos perguntar: “O que é isso?” (apontando para o pinheiro), nossa resposta, certamente será: “trata-se de uma Árvore de Natal!”. Pois bem, o pinheiro decorado, deixa sua essência e passa a fazer alusão ao Natal, quando, in verdade, aquele pinheiro sempre foi e sempre será “apenas”, uma árvore.

Somos assim: árvore por natureza e Árvore de Natal por atribuição. Nascemos (somente) EU e com o passar do tempo, os muitos adereços que ganhamos nos fazem apenas referências, camuflando quem realmente somos. Veja se não é assim. Responda à pergunta: Quem é você? Você é filho, neto, tio, sobrinho, avô, pai... Você tem profissão, então passa a ser o mecânico, o médico, o advogado, o dentista, o motorista, o vendedor... Você é solteiro, namorado, casado, divorciado... Você é vizinho, condômino, inquilino... É amigo, parente, conhecido... E fica assim: “A Jurema é aquela menina, filha de Dona Mocinha e de Seu Tião, neta do falecido João das Couves. Ela mora na Rua 23, é vizinha de Dona Carmem, amiga da Maria. Jurema é aquela que se divorciou tem pouco tempo, que todos os dias, cedinho, vai à Padaria, que só anda de sandálias Havaianas... que tem um carro preto e uma blusa com estampas cor de rosa... E quem é a Jurema mesmo?... Ah, é aquela, filha de Dona Mocinha...”.

Definir o ser é bem difícil quando, aparentemente, só há espaço para uma série de referências que busca nos identificar, mas sem realmente o fazê-lo. É quase como escreveu Carlos Drummond de Andrade no poema “Eu Etiqueta”, onde perde-se o cerne do ser e passa-se a ser propaganda. “Com que inocência demito-me de ser. Eu que antes era e me sabia. Tão diverso de outros, tão mim mesmo. Ser pensante sentinte e solitário, com outros seres diversos e conscientes de sua humana, invencível condição. Agora sou anúncio, ora vulgar ora bizarro. Em língua nacional ou em qualquer língua (Qualquer principalmente.) E nisto me comparo, tiro glória de minha anulação”. Afinal, então, quem sou eu?... Quem é você?

(Valquiria Rigon Volpato - Advogada)

Um comentário:

  1. Poxa vida, Val, quem te viu quem te vê, hein.
    Eu retiro o que disse outro dia no msn sobre você ser uma mulher inteligente e digo agora que és um gênio das letras. Sinceramente, fiquei impressionado com o seu poder argumentativo mesclado poeticamente com toda a sua intensa filosofia. Adorei os pontos de vista que você expõe e seu olhar crítico acerca da sociedade e do ser humano me chamaram muito a atenção devido ao fato de eu ter uma personalidade muito crítica. As pessoas costumam achar que sou revoltado com a vida e sou pessimista, porém, eu tenho sempre que explicar que sou apenas realista e sei que a vida não é um mar de rosas. Eu costumo escrever músicas e 99% delas é alguma crítica social ou reflexão sobre a vida, por isso, quando li seus textos, fiquei apaixonado, pois, além de eu adorar escrever, suas palavras e ideias coincidem demais com as minhas. Precisamos trocar umas ideias. É como eu costumo pensar: Inteligência é afrodisíaco. Cuidado, senão você acaba conquistando meu coração. :D

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